tag:blogger.com,1999:blog-23153306057688904202024-02-20T21:46:26.324-08:00GOTAS DE LITERATURA BRASILEIRAUm trtabalho de pesquisa sobre a literatura brasileira de todos os tempos.
Nicéas Romeo ZanchettGOTAS DE CULTURAhttp://www.blogger.com/profile/05297345491578235021noreply@blogger.comBlogger27125tag:blogger.com,1999:blog-2315330605768890420.post-43167080485887162482016-08-06T13:07:00.000-07:002016-08-06T13:15:20.072-07:00TERESINHA - Por Amélia de Freitas Beviláqua<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgugB-dOVMQ3rp2XRPgBBN-TcrsZSNwvXVlkHVXFh60hYVYzIBzu_6wDEWDfJ6UWETV6V6qLkPdRUC0bBezBfk5mkmLtBx5MzjKADM5IM-ukf7GyQ4sHp-jovYMaRBuR6AQrqvqe-6jxUk/s1600/0912VA0510.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgugB-dOVMQ3rp2XRPgBBN-TcrsZSNwvXVlkHVXFh60hYVYzIBzu_6wDEWDfJ6UWETV6V6qLkPdRUC0bBezBfk5mkmLtBx5MzjKADM5IM-ukf7GyQ4sHp-jovYMaRBuR6AQrqvqe-6jxUk/s400/0912VA0510.JPG" width="333" /></a></div>
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Foto de Amélia com o marido.</div>
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<b>TERESINHA </b></div>
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<b> Assim que empurrei a porta do seu quarto, ouvi de dentro um grito pavoroso: </b></div>
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<b> - Não Senhora! Não pode entrar, que estou me vestindo!</b></div>
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<b> Fiquei atordoada, perdi as cores, um relâmpago de raiva passou-me pela vista. Obedeci; porém, todo o resto do dia me perguntei: Porque será? - Não compreendi absolutamente esse procedimento. Toda a vida nos vestimos juntas. Como ela carregava as sobrancelhas! Que expressão rancorosa!... </b></div>
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<b> Nunca pensei que me acontecesse tamanha decepção!... Fiquei sóbria. O despeito amargurou-me a vida, quase chorei; grandes cismas me apoquentaram o espírito excitado e nervoso, a revolver-me no anseio de uma grande curiosidade. </b></div>
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<b> No dia seguinte, ainda muito desgostosa, arrastava sensaboronamente triste a minha carruagem de bonecas pelo corredor que se comunicava com o jardim, e quase ao enfrentar a porta, avistei-a na extremidade do toilette. A luz do gaz caia em cheio sobre o seu rosto, fazendo-o resplandecer com uma beleza mística de rosa admiravelmente bela, exposta aos raios do sol, na hora do crepúsculo, quando a natureza começa a adormecer. Estava realmente linda; pareceu-me até mais aurosa e mais crescida. Sinto que não poderei reproduzir mais nunca a impressão que recebi nesse momento. Durante um instante olhei-a muito comovida, como se tivesse visto uma dessas miragens flutuantes que nos aparecem nos sonhos. Impressionou-me essa imagem de cabelos loiros caídos pelo rosto; porém, no mesmo instante lembrei-me do império com que ousara me repreender na véspera e segui-a com o olhar prescrutador; queria adivinhar o íntimo de seus penamentos. Meu despeito ainda estava muito vivo, precisava de uma desforra. Nunca me tinham falado com tanta rudeza como essa. Teresinha que eu estava olhando ironicamente , essa prima querida, a minha predileta! Sabia andar pelas salas, deslisando suavemente como se arrastasse olhares atrás dos seus encantos; recitava com intonações de tribuna, e até densava valsas nos salões como se fosse uma moça! </b></div>
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<b> Que aborrecimento! Bem me importava que seu rosto fosse bonito, que soubesse ler e recitar... Tudo isso eu aprenderia; em breve também seria considerada moça; o principal era saber porque a vaidosa não me deixava entrar no toilette quando se vestia. Um desaforo! Tinha muita queixa, estava realmente zangada e enfurecida contra aquela mulher pequenina! Que distância era essa que nos separava?! Como se os seus doze anos me fizessem medo... </b></div>
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<b> Jurei vingar-me. Deixei-a distrair-se e entrei um dia furtivamente no quarto proibido, pisando leve, muito macia, escondi-me debaixo da cama, comprimindo a respiração, morrendo quase asfixiada, porém, não perdendo um único de seus movimentos. Era um desses aposentos preparados a capricho, o seu gabinete de vestir, elegante, perfumado, cheio de todas as ninharias de que se utilizam as moças bonitas. Um ninho amoroso mesmo. Antes de começar o seu galante preparo, fechou cuidadosamente a porta, trancou, aferrolhou, e para melhor segurança encostou mais uma cadeira. Passou os olhos pelo quarto, revistou-o de lado a lado. Estava sozinha... Tirou os sapatos, e as meias. Começou a andar por todo o espaço do toilette. Às vezes seus pés delicados, muito alvos, rosados nos dedos, bem cavalados, salientando as dobras deixadas pelos sapatinhos velhos e acalcanhados, pisavam tão perto de mim que eu me encolhia com medo que eles me sentissem... Depois, colocada em frente do espelho, sorriu-se esfregou a boca na manga do vestido, examinou os dentes, perfumou o colo, os braços, todo o corpo. Sempre olhando para o espelho, pintou de carmim as faces e os lábios, finalmente seduzida pelo seu próprio encanto beijou apaixonadamente o vidro que a refletia com arrebatamento de beleza tão grande! </b></div>
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<b> - Sou muito formosa; muito linda mesmo! </b></div>
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<b> Um barulho qualquer sobressaltou-a, revistou os recantos do quarto ainda mais sobressaltada, desconfiada e minuciosa. </b></div>
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<b> O pente caiu no assoalho, um passo mais e eu estava perdida. </b></div>
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<b> Felizmente o seu olhar vagueava muito aéreo. Ensaiou uns passos de dança, garganteou uma canção e continuou a despir-se. </b></div>
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<b> Em primeiro lugar tirou o vestidinho branco, depois o corpinho, em seguida a anágua muito rendada com cercaduras de bordado. Ia tirar a camisa... Ainda olhou desconfiada os arredores do aposento. </b></div>
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<b> Quando eu vi o primeiro movimento, tive um frêmito de alegria tão grande, que não pude mais me conter. </b></div>
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<b> Saí do meu esconderijo, corri batendo palmas, doidamente feliz e ameacei-a de contar tudo, absolutamente tudo! </b></div>
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<b> - Que apresentação! disse-me ela muito corada com um sorriso pálido. </b></div>
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<b><br /></b></div>
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<b><i>BREVE BIOGRAFIA DE AMÉLIA</i></b></div>
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<b><i>Amélia de Freitas Beviláqua nasceu em 7 de Agosto de 1860 e faleceu em 17 de Novembro de 1946. Formada bacharel em advocacia e precursora na luta pelo direito de igualdade das mulheres. Foi uma grande escritora brasileira de origem piauiense, casada com Clávio Beviláqua. Publicou contos e romances além de escrever como jornalista, o que era raro em sua época. Publicou: Alcione, contos, 1902; Aspectos; Silhuetas; Através da vida. </i></b></div>
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<b><i>Existe muito sobre ela: é só pesquisar na internet. </i></b></div>
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Meu objetivo em Gotas de Literatura Brasileira e levar um pouco de conhecimento sobre nossos escritores do passado que, devido às novas formas de comunicação, os jovens da atualidade estão deixando no esquecimento. </div>
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<b>Nicéas Romeo Zanchett</b></div>
<br />Nicéas Romeo Zanchetthttp://www.blogger.com/profile/02379067383684275947noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2315330605768890420.post-2598627435735485892014-08-28T13:12:00.002-07:002014-08-29T03:32:22.652-07:00CRIMES DE AMOR - por João do Rio <div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgQpkmrsebmJrHIPz_Q43KHTKMK4k03ps2hwaFmIvvQHchq1Bgmnni30DHR4Du_hnYAMZHvyo_3pkxBgI94y3hcwNi1QZJ812yopoUY7Ul1MUjAvFMd4Qv7jVOAQed9vszqCNspeowLMVE/s1600/FGTHYJ.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgQpkmrsebmJrHIPz_Q43KHTKMK4k03ps2hwaFmIvvQHchq1Bgmnni30DHR4Du_hnYAMZHvyo_3pkxBgI94y3hcwNi1QZJ812yopoUY7Ul1MUjAvFMd4Qv7jVOAQed9vszqCNspeowLMVE/s1600/FGTHYJ.jpg" height="400" width="295" /></a></div>
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CRIMES DE AMOR </div>
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Uma visita de João do Rio a um presídio. </div>
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<b> -Meu caro amigo, tem você ampla liberdade. Pode ver, interrogar, examinar. Há agora na detenção quatrocentos e cinquenta e quatro detentos, dos quais trezentos e noventa e cinco homens e cinquenta e nove mulheres. Antigamente era maior o numero. Nós conseguimos que se não mantivessem aqui presos à disposição dos delegados, sem processo. Mas, ainda assim, o exercício do crime está bem representado. Há gatunos, desordeiros, incendiários, defloradores, mulheres perdidas, vítimas da sorte, criminosos por amor - toda uma flora estranha e curiosa. Estude você os crimes de amor. Lembra-se de um dramalhão do repertório da Ismênia: <i>Aimée, assassino por amor? </i> Não é do seu tempo nem do meu, mas comoveu a geração passada e tem contínuos exemplos nas penitenciárias... </b></div>
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<b> - E nas literatura. </b></div>
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<b> - Pois vá ver esses criminosos. O assassino por amor é o único delinquente que confessa o crime. </b></div>
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<b> Alguns chegam mesmo a reviver detalhes insignificantes. Ao passo que os gatunos, os incendiários e os homicidas vulgares, mesmo tendo a cumprir sentenças longas, negam sempre o crime; essas vítimas da paixão não se cansam de contar a sua história, cada vez com maior número de minúcias e mais abundâncias de memória. </b></div>
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<b> - Pois vejamos as vítimas do amor! </b></div>
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<b> O capitão mandou chamar o chefe dos guardas, Antônio Barros e saímos para o páteo, onde os presos serventes mourejavam. </b></div>
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<b> Há uns cinco casos notáveis, informava-me o guarda. Vamos entrar na primeira galeria. </b></div>
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<b> A galeria é um enorme corredor, ladeado de cubículos engradados. A má disposição de luz, com a claridade da frente e dos fundos e a claridade das prisões, dá a esse corredor uma perpétua atmosfera de meia sombra. Através dos muros brancos ouve-se o sussurro das conversas murmuradas. Barros aponta-me silenciosamente uma das jaula. Aproximo-me, e dos fundos vejo surgir um velho preto, magro, seco, com olhar ardente e a cabeça branca. Pergunto receoso:</b></div>
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<b> - Por que está aqui? </b></div>
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<b> - Porque matei. </b></div>
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<b> Nas prisões há duas coisas revoltantes: o cinismo que nega e o que confessa com uma afronta. Aquela frase breve tinha, porém, o cunho de uma dolorosa sinceridade. </b></div>
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<b> - Eu sou do crime da Estrada Real, continuou o pobre negro, agarrando-se aos varões de ferro. Chamo-me Salvador Firmino, tenho sessenta e seis anos. </b></div>
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<b> - E matou? </b></div>
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<b> - Porque <i>ela </i>quis. </b></div>
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<b> E de repente, como se a lembrança da cena o forçasse a se desculpar, a sua cabeça branca curvou-se, os seus olhos lampejavam: </b></div>
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<b> - Quando encontrei Silvéria, era casado e feliz. Abandonei a mulher, só para viver com ela. Silvéria tinha dois filhos. Eduquei-os eu, dei-lhes o sustento, o ensino. Uma casa que consegui comprar logo passei para o seu nome, e de tudo eu me lembrava que a tornasse feliz. Silvéria tinha quarenta anos, e eu gostava dela. Foi quando apareceu o outro. A mulher ficou com a cabeça virada, já não lhe bastava o meu carinho. Saía só, para passear com ele, não se importava com o passado, não me falava. O desaforo chegou ao ponto do o outro vir trazê-la até a porta de casa. Às vezes, eu os via de longe e entrava no mato, para não os encontrar. Que dor! Eu tinha tanto medo de acabar... Uma noite, ela saiu, esteve na festa de Nossa Senhora e voltou acompanhada até à porta pelo outro. Eu bem os vira, mas fingi não saber de nada quando entrei em casa. Silvéria conversava com a vizinha e dizia: </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> "Mas se eu já lhe disse que podia vir..." </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Não pude comer a sopa; fui logo deitar-me. Do quarto via-se a sala, onde dormia o pequeno filho dela, e não demorou muito tempo que a vizinha não colocasse na cama outro travesseiro. Eu estava olhando, à luz da lamparina. Deixei passar alguns minutos e disse: </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> "- Ó Silvéria, vem te deitar. Ela não respondeu."</b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> "- Silvéria, já disse que viesses dormir!"</b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> " - Já vou."</b></div>
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<b>De repente os cães, no terreiro, começaram a ladrar. Era um alarido. Saltei da cama, agarrei o revolver. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> " - Quem está aí?" </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Ela apareceu então; </b></div>
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<b> " - Deita-te, não é nada."</b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> " - Qual! Pois os cães estão ladrando... É alguém."</b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> " - Que vais fazer? " </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> " - Ver." </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> " - Não vás, Firmino, não vás, não é nada!" </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> E amarrava-se ao meu braço.</b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> " - Como não hei de ir? Se for gatuno? Talvez esteja a roubar a criação." </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> "- Firmino, meu velho, não vás! "</b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Dei-lhe um empurrão, abri a tranca. Na noite, só a lua aclarava as moitas, e os cães arfavam cansados. Voltei. Ela estava sentada, chorando. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> " - Tu desconfias de mim!" </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> " - Eu? que falso! " </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> " - Tu pensavas que era o Herculano!" </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> " - Eu? Nem pensava nisso! "</b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> " - Pensavas, sim! E o melhor é acabar com isso. Vou-me embora!" </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Ela estava à espera de um pretexto. Para que discussões? Deitei-me outra vez, sem poder dormir. Silvéria continuava na sala, remexendo os móveis. Pela madrugada, já os galos tinham cantado e o luar estava desmaiando, ouvi que abriam a porta. Ergui-me, corri. Ela ia pela estrada, com a trouxa da roupa, ia sem se despedir de mim, que lhe dera tudo, ia embora... Deitei a gritar: </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> " - Silvéria! Silvéria! Não vás."</b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> " - Adeus! " </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> " - Mas tu estás maluca, mulher."</b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> " - Não me fales, estou farta." </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> " - Vais para o Herculano?" </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> " - Vou, sim, e agora?" </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> " - Um homem que podia ser teu filho!"</b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> " - Talvez seja mais feliz." </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> " - Silvéria! Silvéria! "</b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> " - Basta de conversa fiada..." </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Então eu senti um desespero que me sacudia os nervos, e não pude mais... </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Para ouvir a história, encostara a cabeça na pedra em que os varões de ferro se encravavam. O pobre velho tremia num soluço sem fim. Então eu lhe estendi a mão sem uma palavra, e segui, como se tivesse acordado de um horrível pesadelo. O guarda Barros acompanhava-me. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Pobre homem! Tentou suicidar-se e é preciso uma vigilância extrema para que não tente outra vez contra própria vida... </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Já os sinais misteriosos, com os quais se correspondem, os detentos haviam anunciados uma pessoa estranha no estabelecimento. Em todos os cubículos, nas galerias, correra o som anunciador, e nas grades amontoavam-se as caras dos que não serõ em breve da sociedade. Barros parou pouco adiante, apontando-me um homem magro, pálido, com o pescoço embrulhado num <i>cache-nez. </i> O homem corcovava, e os seus dois olhos brilhavam como se os de um tísico. Ao lado, um português bem disposto sorria. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - O seu crime? </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Umas rusgas, tentativa de morte, não fui eu... </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - E o seu? </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Matei minha mulher. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Esse também confessava. Então era verdade? O crime de amor é o único confessável? Acerquei-me cheio de simpatia, e o sujeito magro não esperou que lhe perguntasse mais nada. Antes da ânsia de desabafar, atirou o <i>cacha-nez </i> às costa e começou: </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Chamo-me Abílio Sarano, sou barbeiro. Sempre fui honesto. É a primeira vez que entro aqui, por causa do crime do Catete. Não sabe? V.Sa. não sabe? Eu namorei uma moção, D. Geraldina, e com ela casei-me. Dias depois do nosso casamento, minha esposa confessou-me que tinha sido gozada por um negociante, amante de sua própria mãe. Esse homem voltava a perseguí-la. Era de noite, eu voltara do trabalho e amava minha senhora. Foi como se o mundo todo se desmoronasse. Ela, coitadinha, caíra de joelhos; eu interrogava, querendo saber tudo: </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> " - Anda, fala, diga como foi." </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> " - O negociante, o biltre forçara-a numa cadeira e ninguém soubera. Quando acabou, eu estava sem forças e chorava." </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> " - E agora, Geraldina, que será de nós? que vai ser de nós?" </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> " Ela consolava-me. Agora, era esquecer esse sujeito odioso. Acreditei e começamos a viver a triste vida da dúvida. A mãe infame e a família continuavam, porém, a seduzi-la. Uma noite, apesar de ser sábado, eu fui cedo para casa. Geraldina estava nervosa. Conversávamos na sala, quando a criada veio dizer que um homem procurava a patroa. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> " - Um homem? Espera, vou eu mesmo ver quem é." </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> " No topo da escada estava um cidadão robusto." </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> " - D. Geraldina está?" </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> " Num relâmpago compreendi que era ele." </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> " - D. Geraldina? Ah! canalha, espera que eu te vou dar a Geraldina! " </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Saquei o revolver, e minha senhora apareceu assustada: </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> " - Fuja, <i>seu</i> Alvaro, fuja!" Fuja!" </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> " Ela mandava-o fugir. Como um louco, ergui a arma. Ele descia os degraus da escada, e Geraldina tapara-me a passagem. Detonei uma, duas vezes, descemos de roldão. No patamar, o corpo dele jazia. Matei-o, pensei, acabei a minha vida! E deitei a correr... Só mais tarde, soube a verdade. As balas tinham ferido minha mulher. Ele fingira-se morto e escapara são e salvo. É por isso que estou aqui." </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> O chefe dos guardas chamara-me ao fundo, para a mesa que fica entre as escadas das galerias superiores. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Há ainda dois casos interessantes: um menino e uma mulher. Quer ver? Vou mandar buscar o menino. Sente-se. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Eu sentei-me. Por todas as janelas gradeadas, o sol entrava claro e benfazejo. Minutos depois, surgia, trazido pelo guarda, um pardinho cor azeitona, dessas fisionomias honestas, alheias a devassidões. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Como se chama? </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Ele tomou uma posição respeitosa, falando bem, com desembaraço. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Chamo-me Alfredo Paulinho, sim, Senhor. Tenho dezoito anos. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - E já casado?</b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Casei-me aos dezesseis. Os meus parentes não queriam mas, depois o pai disse: </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> " - É melhor mesmo. Ao menos, não ficas perdido."</b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> " - Eu já ganhava o suficiente para sustentar dignamente a minha família. Casei. Foi nessa ocasião que o Dr. Constantino Nery me ofereceu o emprego de copeiro no palácio de Manaus. Aceitei, e voltávamos para o Rio quando à bordo encontramos um rapaz de dezoito anos, chamado José."</b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Era bonito o José?</b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Era simpático, sim, Senhor, não posso negar. Ficamos tão amigos que, ao chegar, ele foi morar conosco. Primeiro, tudo andou direito, mas depois começaram os cochichos, as cartas anônimas. Era preciso tomar uma resolução. Disse ao José que não o podia ter mais em casa - por certas dificuldades. Ele saiu, mas eu sabia que a Adélia lhe falava. Passaram-se seis meses nessa tortura. De vez em quando eu a interrogava e sempre obtinha respostas negativas. Certo dia, passei pelo José na rua, e ele riu. Em casa, pus Adélia em confissão, e ela disse: </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> " - É mesmo, fizeste bem em por esse homem na rua. Andava me tentando e foi tão ingrato que nem se despediu da gente direito." </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> " - De outra feita, encontrei-os na esquina, conversando, e afinal, em casa. Foi então que eu fiquei desatinado." </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> " Oh! o amor! " Eu ouvira o amor sexagenário, o amor doloroso, o amor <i>liliput </i>desse romance de crianças. Todos tinham chegado ao mesmo fim trágico, ontem criaturas dignas, hoje com as mãos vermelhas de sangue, amanhã condenadas por um juíz indiferente. Fiz um gesto. O pequeno insistiu." </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> " - Já que estou aqui. quero trabalhar. Nunca passei sem trabalhar. Peço a V.Sa. para ver se entro como servente. Não quero estar no cubículo com aquela gente. " </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Nesse momento traziam uma moça negra roliça, de dentes afiados, com um sorriso alvo a iluminar-lhe a cara. Era a Herculana, a autora de um crime célebre. Matara o amante enquanto este dormia, acendera todas as velas que encontrara e começara a cantar. O amante tinha vinte e três anos. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - E por que foi? </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> "- Ora, nós brigamos. Eu gostava dele. Nós brigamos. Um dia ele me disse uma porção de nomes. Eu fiquei calada, mas quando o vi deitado, com o pescoço à mostra, roncando, parece que o diabo me tentou. E fui então com a faca..." </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Aproximei-me, bem perto, quase murmurando as palavras: </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Diga: era capaz de fazer o mesmo outra vez, de abrir o pescoço do pobre rapaz, de ascender as velas, de cantar? diga: era? </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Ela riu como um fera boceja, e disse num arranco de todo o ser: </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> " - Eu era, sim, Senhor..." </b></div>
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<b> Que estranha psicologia a dessas flores magníficas do jardim do crime! Que poderoso transformador o amor! Bem dizia Tennyson, ao evocá-lo: <i>"Thou madest Life, in man and brute, thou modeste Death... "</i> Eu começara a minha vida à beira do deserto, na púrpura de uma moita de lírios vermelhos. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Com os corações em sangue, vira uma coleção de assassinos, desde um velho lamentável até uma criança honesta, postos fora da sociedade pelo desvario, pela loucura que a paixão sobra no mundo. A mulher, que os poetas levam a cantar, Vênus inconsciente e perversa, Lilith lendária, surgia nessa ruína, perdendo, estragando, corroendo, matando, e eu sentia, no olhar e no gesto de cada uma das vítimas do amor, o desejo de guardar o perfil das suas destruidoras. Oh! esses seres, que Schopenhauer denominava animais de cabelos compridos e ideias curtas, que formidável obra de destruição cometem! São a torrente a que ninguém pode resistir, a força dominadora da maldade, os Molochs da alegria. As gerações futuras, livres dos nossos deuses, devem, para que a Harmonia as guie, levantar nas cidades um altar votivo, onde os adolescentes possam sacrificar, todas as manhãs, à ira de Vênus sanguisedenta. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Mas as minhas reflexões pararam. Como tocasse um sino, pela escada da direita desceu um cavalheiro elegante, que tapava o rosto com o lenço. E logo depois, gracil e airosa, com um rico vestido preto, caminhou pela galeria, olhando altivamente os presos, uma mulher cuja fronte pura parecia a pura fronte da inocência. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> O guarda curvou-se: </b></div>
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<b> - O Dr. Saturnino e a esposa... </b></div>
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<b> Eu vira o último crime de amor da Detenção. </b></div>
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<b>João do Rio, ou</b></div>
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<b>Paulo Barreto, seu pseudônimo.</b></div>
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<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjq62xW46ZcNpg2jeU5un2ktRjAuQWJA5uYiL2m5mSWzLgZwbr7GHWNWCHIur_H6cqkX8Uz_QbroqI1EkEXV2NDpi1T8g5KzVWMqvlzS2lxqQ1OR2a6jDZxVya0N7mO_r4R6vV8T-MJFnUL/s1600/url.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjq62xW46ZcNpg2jeU5un2ktRjAuQWJA5uYiL2m5mSWzLgZwbr7GHWNWCHIur_H6cqkX8Uz_QbroqI1EkEXV2NDpi1T8g5KzVWMqvlzS2lxqQ1OR2a6jDZxVya0N7mO_r4R6vV8T-MJFnUL/s1600/url.jpg" height="320" width="281" /></a></div>
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<br /></div>
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<b>BREVE BIOGRAFIA DE JOÃO DO RIO </b></div>
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<b> João do Rio, pseudônimo de <i>João Paulo Barreto, </i>escritor brasileiro,<i> </i>nasceu no Rio de Janeiro em 1881 e adquiriu grande reputação entre os escritores da geração nova, pela vivacidade e pitoresco do seu estilo. Era chamado de repórter maldito da noite carioca. Tinha uma observação crítica, minuciosa e direta da vida e da linguagem dos diferentes grupos sociais do Rio de Janeiro. Costumava frequentar os presídios para conhecer as histórias sobre os mais diversos crimes que aconteciam na cidade e também em outros estados do Brasil. Seu olhar estava sempre atento e gostava de inserir-se em ambientes diversos; escrevia sobre a vida, tanto de trabalhadores braçais como de prostitutas, presidiários, madames da sociedade e outros seres urbanos. Gostava do idioma francês e utilizava diversas expressões daquela língua em seus textos. Retratava, com força literária, a sofisticação e dissolução dos costumes da elite carioca, descrevendo suas festas dominadas por figuras sensuais, madames e cortesãs. Muitas vezes o erotismo era peça fundamental que utilizava de forma direta, manifestando a realidade popular das massas nas ruas durante o carnaval. Frequentava terreiros de umbanda e candomblé, igrejas, cabarés, cortiços, favelas e palácios, onde buscava seus personagens mais interessantes. Suas peças teatrais e contos eram ambientados nestes locais com a linguagem típica de cada um. Sabia, como ninguém, combinar o preciosismo da linguagem comum com a inovação incorporada do estrangeirismo da moda de sua época. Ele tematizou a cidade moderna, tanto na ausência de limites morais como em suas facetas técnicas da modernidade de então. </b></div>
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<b> Em sua carreira jornalística, costumava utilizar os mais diferentes pseudônimos como Joe, Carand, Godofredo Alencar, e outros. </b></div>
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<b> João Paulo Barreto estudou com seu próprio pai, o professor Alfredo Coelho Barreto, e já na adolescência ingressou no jornalismo; em 1899 figurava entre os colaboradores do jornal <i>Cidade do Rio, </i>ao lado de figuras importantes como José do Patrocínio e outros veteranos da literatura e da política brasileira. Foi nessa época que surgiu o pseudônimo de João do Rio, com o qual ficou famoso e nacionalmente conhecido. </b></div>
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<b> Embora muitos de seus contos e crônicas mostrem festas da alta sociedade, tinha especial interesse pela vida de pessoas comuns como presidiários prostitutas de luxo e suas orgias com figurões, ricaços e políticos. Seus textos também focalizavam aspectos da vida pobre das favelas e a loucura que tomava conta da cidade durante o carnaval. </b></div>
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<b> Em 1991 publica <i>Os Livres Acampamentos da Miséria, </i>no qual ele sobe o morro de Santo Antônio, para ouvir samba; esta é talvez a primeira descrição de uma favela no Rio de Janeiro. </b></div>
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<b> Além de crônicas, contos e reportagens, João do Rio escreveu importantes romances para engrandecer a literatura nacional. Entre eles podemos citar <i>A Correspondência de uma Estação de Cura, </i>publicada em 1918. Escreveu, também, várias peças teatrais. Entre elas, a de maior êxito foi <i>A Bela Madame Vargas, </i>encenada em 1912. Outras publicações que ficaram famosas foram: <i>As religiões do Rio; O Momento literário; O jornal da primavera; Dentro da noite; Alma encantadora, </i>entre muitas outras. </b></div>
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<b> Em 1910 foi eleito como membro da Academia Brasileira de Letras. </b></div>
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<b> Morreu em 1921, enquanto escrevia uma crônica para o jornal <i>A Pátria, </i>fundo por ele em 1920. Seu velório foi realizado na própria redação. </b></div>
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<b>Nicéas Romeo Zanchett </b></div>
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<b>.</b></div>
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<b>LEIA TAMBÉM >> <a href="http://gotasdeliteraturauniversal.blogspot.com.br/">GOTAS DE LITERATURA UNIVERSAL </a></b></div>
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<br /></div>
Nicéas Romeo Zanchetthttp://www.blogger.com/profile/02379067383684275947noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2315330605768890420.post-40583547288058693242013-11-06T09:34:00.001-08:002014-02-23T03:43:52.379-08:00OS SERTÕES - de Ecuclides da Cunha <div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi5EdIWqH-WDEUIg5yAJQeXkqgEUt0UGvfPbr_HvH86lMPPiMpU5EiB0cPth385B8iglQrfMS9w40gx2OQIylsnUBmgEc4KTYNrbdxEQZ4gtR4q_ZJL8rfEz4R-pXrCNryOFUQpzMYq-NY/s1600/images+(2).jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi5EdIWqH-WDEUIg5yAJQeXkqgEUt0UGvfPbr_HvH86lMPPiMpU5EiB0cPth385B8iglQrfMS9w40gx2OQIylsnUBmgEc4KTYNrbdxEQZ4gtR4q_ZJL8rfEz4R-pXrCNryOFUQpzMYq-NY/s1600/images+(2).jpg" /></a></div>
<br />
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<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjzjdYz073InoI24_oY4jt1snVswz9C-j5xJA0hUiZWoqoiZ4rVpAtFy2n_lXxKAXXNnJa6_IiYMNPxBXFY4MYoYmPfo6hbnEWMjquDjUuL3dE5aCC3pKxFOadKK8DOzNOXrPSXmdzD7Gw/s1600/images+(1).jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjzjdYz073InoI24_oY4jt1snVswz9C-j5xJA0hUiZWoqoiZ4rVpAtFy2n_lXxKAXXNnJa6_IiYMNPxBXFY4MYoYmPfo6hbnEWMjquDjUuL3dE5aCC3pKxFOadKK8DOzNOXrPSXmdzD7Gw/s1600/images+(1).jpg" /></a></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
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<b><i>Euclides da Cunha ocupa um destacado lugar na literatura brasileira graças ao seu talento especial na manipulação dos esquemas da nossa língua. Fundindo a tradição e a mudança, com todo o brilhantismo de sua imaginação, tornou-se o grande estilista de nossa literatura. </i></b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<b><i>Em todos os seus trabalhos fica evidenciado seu estilo objetivo, nervoso e despojado. Suas frases são compostas com marcantes palavras em que se mesclam, numa tensão dialética constante, a sua postura sociológica e literária, que resulta na qualidade superior só alcançada por quem escreve com paixão. </i></b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<b><i>O flagelo das secas nordestinas, que sempre resulta em paixões místicas, não fora compreendido e resultou na matança dos sertanejos que, seguindo seu líder e sua fé, não se renderam ao avassalador poder do governo opressor. </i></b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<b><i>Euclides da Cunha, utilizando de uma linguagem cuidada e orientada segundo os mesmos padrões parnasianos de vernaculidade, relata em detalhes o massacre que sempre será uma vergonha nacional manchada com o sangue dos nossos irmãos indefesos.</i></b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<b><i>Os Sertões foram fruto de uma série de reportagens escritas para o jornal "O Estado de São Paulo" no término da Campanha de Canudos - Bahia, em 1897.</i></b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<b><i>A primeira publicação da obra ocorreu no Rio de Janeiro em 1902. Divide-se em três partes: A Terra, O Homem, e A Luta. </i></b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<b><i>A primeira tem como conteúdo um apanhado geral da região das secas e de suas causas, segundo pensamento da época. </i></b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<b><i>A segunda, baseia-se na ideia do condicionamento do meio e da herança, onde se estuda o gênese do jagunço e, principalmente do líder Antônio Conselheiro, chefe carismático de uma multidão de fanáticos reunida em Canudos. </i></b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<b><i>Na terceira parte, narram-e os sucessivos combates que levaram ao extermínio dos jagunços pelas tropas federais. </i></b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<b><i>.</i></b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi2pz8-eh87GosZBU8xCQzSVPHkcHSQWbSypZbPeFILxzIS_5h9HJWsVAWwksB4_xOl-CUTL2imXUkxIfUaU-GOl69Vt5nnNdJ6xIPQ3ZU5mEvW_3r2KqFndOcMklwXKs_jNK0HptsX6LE/s1600/download.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi2pz8-eh87GosZBU8xCQzSVPHkcHSQWbSypZbPeFILxzIS_5h9HJWsVAWwksB4_xOl-CUTL2imXUkxIfUaU-GOl69Vt5nnNdJ6xIPQ3ZU5mEvW_3r2KqFndOcMklwXKs_jNK0HptsX6LE/s1600/download.jpg" /></a></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
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<b>OS SERTÕES </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<b>Por Euclides da Cunha </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<b><i>O trecho, aqui apresentado, pertence à segunda parte, e subtitula-se "A Seca" e "Insulamento no Deserto". </i></b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<b><i>Relata o imenso sofrimento do sertanejo para permanecer na terra que tanto ama. </i></b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<b><i>.</i></b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> De repente, uma variante trágica. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Aproxima-se a seca. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> O sertanejo advinha-a e prefixa-a graças ao ritmo singular com que se desencadeia o flagelo. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Entretanto não foge logo, abandonando a terra a pouco e pouco invadida pelo limbo candente que irradia do Ceará. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhrNxGmN2sSs6hC9GAjv9j2waKEaFk9XC45a2k0Er-aVaZbDH1yEhtmcRXaTOF__CeZOYMnlv-CPnC5YloL5jH5-R9E_agWqyXa15PJO9rfcQUyYfLDCKfdoQGl4CM1keIThomM5rFBHiQ/s1600/Desenhos+de+Romeo+Zanchett+060.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhrNxGmN2sSs6hC9GAjv9j2waKEaFk9XC45a2k0Er-aVaZbDH1yEhtmcRXaTOF__CeZOYMnlv-CPnC5YloL5jH5-R9E_agWqyXa15PJO9rfcQUyYfLDCKfdoQGl4CM1keIThomM5rFBHiQ/s1600/Desenhos+de+Romeo+Zanchett+060.jpg" /></a></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
Vaqueiro Nordestino</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b><i><br /></i></b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b><i> </i>Mas o nosso sertanejo não foge. A seca não o apavora. É um complemento á sua vida tormentosa, emoldurando-a em cenários tremendos. Enfrenta-a estoico Apesar das dolorosas tradições que conhece através de um sem-número de terríveis episódios, alimenta a todo o transe esperanças de uma resistência impossível. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Com os escassos recursos das próprias observações e das dos seus maiores, em que ensinamentos práticos se misturam a extravagantes crendices, tem procurado estudar o mal, para o conhecer, suportar e suplantar. Aparelha-se com singular serenidade para a luta. Dois ou três meses antes do solstício de verão, especa e fortalece os muros dos açudes, ou limpa as cacimbas. Faz os roçados e arregoa as estreitas faixas de solo arável à orla dos ribeirões. Está preparado para as plantações ligeiras à vinda das primeiras chuvas. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Procura em seguida desvendar o futuro. Volve o olhar para as alturas: atenta longamente nos quadrantes; e perquire os traços mais fugitivos das paisagens... </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Os sintomas do flagelo despontam-lhe, então, encadeados em série, sucedendo-se inflexíveis, como sinais comemorativos de uma moléstia cíclica, da sezão assombradora da Terra. Passam as "chuvas do caju" em outubro, rápidas, em chuvisqueiros prestes delidos nos ares ardentes, sem deixarem traços; e pintam as caatingas, aqui, ali, por toda a parte, mosqueadas de tufos pardos de árvores mascescentes, cada vez mais numerosos e maiores, lembrando cinzeiros de uma combustão abafada, sem chamas; e greta-se o chão; a abaixa-se vagarosamente o nível das cacimbas... Do mesmo passo nota que os das, estuando logo ao alvorecer, transcorrem abrasantes, à medida em que as noites se vão tornando cada vez mais frias. A atmosfera absorve -lhe, com avidez de esponja, o suor na fronte a armadura de couro, sem mais flexibilidade primitiva, se lhe endurece aos ombros, esturrada, rígida, feito uma couraça de bronze. E ao descer das tardes, dia a dia menores e sem crepúsculos, considera, entristecido, nos ares, em bandos, as primeiras aves emigrantes, transvoando a outros climas...</b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> É o prelúdio da sua desgraça. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Vê-o acentuar-se, num crescendo, até dezembro. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Precautela-se: revista, apreensivo, as malhadas. Percorre os logradouros longos. Procura entre as chapadas que se esterilizam várzeas mais benignas para onde tange os rebanhos. E espera, resignado, o dia 13 daquele mês. Porque em tal data, usança avoenga lhe faculta sondar o futuro, interrogando a Providência. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> É a experiência tradicional de Santa Luzia. No dia 12 ao anoitecer expões ao relento, em linha, seis pedrinhas de sal, que representam, em ordem sucessiva da esquerda para a direita, os seis meses vindouros, de janeiro a junho. Ao alvorecer de 13 observa-as: se estão intactas, pressagiam a seca; se a primeira apenas se deliu, transmudada em aljôfar límpido, é certa a chuva em janeiro; se a segunda, em fevereiro; se a maioria ou todas, é inevitável o inverno benfazejo. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Esta experiência é belíssima. Em que pese ao estigma supersticioso, tem base positiva, e é aceitável desde que que se considere que dela se colhe a maior ou menor dosagem de vapor d'água nos ares, e, dedutivamente, maiores ou menos probabilidades de depressões barométricas, capazes de atrair o afluxo das chuvas.</b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Entretanto, embora tradicional, esta prova deixa ainda vacilante o sertanejo. Nem sempre desanima, ante os seus piores vaticínios. Aguarda, paciente, o equinócio da primavera, para definitiva consulta aos elementos. Atravessa três longos meses de expectativa ansiosa e no dia de S. José, 19 de março, procura novo augúrio, o último. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Aquele dia é para ele o índice dos meses subsequentes Retrata-lhe, abreviadas em doze horas, todas as alternativas climáticas vindouras. Se durante ele chove, será chuvoso o inverno; se, ao contrário o sol atravessa abrasadamente o firmamento claro, estão por terra todas as suas esperanças. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> A seca é inevitável. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Então se transfigura. Não é mais o indolente incorrigível ou o impulsivo violento, vivendo às disparadas pelos arrastadores. Transcende a sua situação rudimentar. Resignado e tenaz, com a placabilidade superior dos fortes, encara de fito a fatalidade incoercível; e reage. O heroísmo tem nos sertões, para todo o sempre perdidas, tragédias espantosas. Não há revivê-las ou episodiá-las. Surgem de uma luta que ninguém descreve - a insurreição da terra contra o homem. A princípio este reza, olhos postos na altura. O seu primeiro amparo é a fé religiosa. Sobraçando os santos milagreiros, cruzes alçadas, andores erguidos, bandeiras do Divino ruflando, lá se vão, decampados em fora, famílias inteiras - não já os fortes e sadios senão os próprios velhos combalidos e enfermos claudicantes, carregando aos ombros e à cabeça as pedras dos caminhos, mudando os santos de uns para outros lugares. Ecoam largos dias, monótonas, pelos ermos, por onde passam as lentas procissões propiciatórias, as ladainhas tristes. Rebrilham longas noites nas chapadas, pervagantes, as velas dos penitentes... Mas os céus persistem sinistramente claros; o sol fulmina a terra; progride o espasmo assombrador da seca. O matuto considera a prole apavorada; contempla entristecido os bois sucumbidos, que se agrupam sobre as fundagens das ipueiras, ou, ao longe, em grupos erradios e lentos, pescoços dobrados, acaroados com o chão, em mugidos prantivos "farejando água"; - e sem que se lhe amorteça a crença,sem duvidar da Providência que o esmaga, murmurando às mesmas horas as preces costumeiras, apresta-se ao sacrifício. Arremete de alvião e enxada com a terra, buscando nos estratos inferiores a água que fugiu da superfície. Atinge-os às vezes: outras, apos enormes fadigas, esbarra em uma lage que lhe anula todo o esforço despendido; e outras vezes, o que é mais corrente, depois de desvendar tênue lençol líquido subterrâneo, o vê desaparecer um, dois dias passados, evaporando-se, ou sugado pelo solo. Acompanha-o tenazmente, reprofundando a mina, em cata do tesouro fugitivo. Volve por fim, exausto, à beira da própria cova que abriu, feito um desterrado. Mas como frugalidade rara lhe permite passar os dias com alguns manelos de paçoca, não se lhe afrouxa, tão de pronto, o ânimo. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Ali esta, em torno, a catinga, o seu celeiro agreste. Esquadrinha-o. Talha em pedaços os mandacarus que desalteram, ou as ramas verdoengas dos juazeiros que alimentam os magros bois famintos; derruba os estípites dos ouricuris e rala-os, amassa-os, cozinha-os, fazendo um pão sinistro, o <i>bró, </i>que incha os ventres num enfarte ilusório, empanzinando o faminto; atesta os jiraus de coquilhos; arranca as raízes túmidas dos umbuzeiros, que lhe dessedentam os filhos, reservando para si o sumo adstringente dos cladódios do "chique-chique", que enrouquece ou extingue a voz de quem o bebe, e demasia-se em trabalhos, apelando infatigável para todos os recursos, - forte e carinhoso - defendendo-se e estendendo a prole abatida e aos rebanhos confiados a energia sobre-humana. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Baldam-se-lhe, porém, os esforços. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> A natureza não o combate apenas com o deserto. Povoa-a, contrastando com a fuga das seriemas, que migram para outros "tabuleiros", e jandaias, que fogem para o litoral remoto, uma fauna cruel. Miríades de morcegos agravam a "magrém", abatendo-se sobre o gado, dizimando-o. Chocalham as cascavéis, inúmeras, tanto mais numerosas quanto mais ardente o estio, entre as macegas recrestadas. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> À noite, a suçuarana traiçoeira e ladra, que lhe rouba os bezerros e os novilhos, vem beirar a sua rancharia pobre. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> É mais um inimigo a suplantar.</b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Afugenta-a e espanta-a, precipitando-se com um tição aceso no terreiro deserto. E se ela não recua, assalta-a. Mas não a tiro, porque sabe que, desviada a mira, ou pouco eficaz o chumbo, a onça, "vindo em cima da fumaça", é invencível.</b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> O pugilato é mais comovente. O atleta enfraquecido, tendo à mão esquerda a forquilha e à direita a faca, irrita e desafia a fera, provoca-lhe o bote e apara-a no ar, trespassando-a de um golpe. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Nem sempre, porém, pode aventurar-se à façanha arriscada. Uma moléstia extravagante completa a sua desdita - a hemeralopia. Esta falsa cegueira é paradoxalmente feita pelas reações da luz; nasce dos dias claros e quentes, dos firmamentos fulgurantes, do vivo ondular dos ares em fogo sobre a terra nua. É uma pletora do olhar. Mal o sol se esconde no poente a vítima nada vê. Está cega. A noite afoga-a de súbito, antes de envolver a terra. E na manhã seguinte a vista extinta lhe revive, acendendo-se no primeiro lampejo do levante, para se apagar, de novo, à tarde, com intermitência dolorosa. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Renasce-lhe com ela a energia. Ainda se não considera vencido. Restam-lhe, para desalterar e sustentar os filhos, os talos tenros, os mangarás das bromélias selvagens. Ilude-os com essas iguarias bárbaras. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Segue, a pé agora, porque se lhe parte o coração só de olhar o cavalo, para os logradouros. Contempla ali a ruína da fazenda: bois espectrais, vivos não se sabe como, caídos sob as árvores mortas, mas soerguendo o arcabouço murcho sobre as pernas secas, marchando vagarosamente, cambaleantes; bois mortos há dias e intactos, que os próprios urubus rejeitam, porque não rompem a bicadas as suas peles esturradas; bois jururus, em roda da clareira de chão entorroado onde foi a aguada predileta; e, o que mais lhe dói, os que ainda não de todo exaustos o procuram, e o circundam, confiantes, urrando em longo apelo triste que parece um choro. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> E nem um cereus avulta mais em torno; foram ruminadas as últimas ramas verdes dos juás...</b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Trançaram-se, porém, ao lado, impenetráveis renques de macambiras. É ainda um recurso. Incendeia-os, batendo o isqueiro nas acendalhas das folhas ressequidas para os despir, em combustão rápida, dos espinhos. E quando os rolos de fumo se enovelam e se diluem no ar puríssimo, vêem-se, correndo de todos os lados, em tropel moroso de estropeados, os magros bois famintos, em busca de último repasto... </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Por fim tudo se esgota e a situação não muda. Não há probabilidades sequer de chuvas. A casca dos marizeiros não transuda, prenunciando-as. O nordeste persiste intenso, rolante, pelas chapadas, zunindo em prolongações uivadas na galhada estrepidante das caatingas e o sol alastra, reverberando no firmamento claro, os incêndios inextinguíveis da canícula. O sertanejo, assoberbado de revezes, dobra-se afinal. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Passa certo dia, à sua porta, a primeira turma de "retirantes". Vê-a, assombrado, atravessar o terreiro, miseranda, desaparecendo diante de uma nuvem de poeira, na curva do caminho... </b></div>
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<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgqcyWR-7ziPW7KSlINmOUhyphenhyphenWEKfJPYmo9zo3msLTiw7OMCB_FXQQmC3rxaREIxjS_ynMIB5EtWx1ZEXi_jO4aLSgyAwEJI9vYFMJiPpSE9hW65I0AJ-p_b5z6mxfqGFleAVCdiceqHHJ4/s1600/RETIRANTES-NORDESTINOS-Desenho-Romeo-Zanchett.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgqcyWR-7ziPW7KSlINmOUhyphenhyphenWEKfJPYmo9zo3msLTiw7OMCB_FXQQmC3rxaREIxjS_ynMIB5EtWx1ZEXi_jO4aLSgyAwEJI9vYFMJiPpSE9hW65I0AJ-p_b5z6mxfqGFleAVCdiceqHHJ4/s400/RETIRANTES-NORDESTINOS-Desenho-Romeo-Zanchett.jpg" height="300" width="400" /></a></div>
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Retirantes Nordestinos </div>
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<b>No outro dia, outra. E outras. É o sertão que se esvazia. </b></div>
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<b> Não resiste mais. Amatula-se num daqueles bandos, que lá se vão caminho em fora, debruando de ossadas as veredas, e lá se vai ele no êxodo penosíssimo para a costa, para as serras distantes, para quaisquer lugares onde o não mate o elemento primordial da vida. </b></div>
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<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjnSPxzU206EkMnvsUkRR9Xf26KsJVDshWkBU3I-UPmnMSUozla5SoeaKEUFli1z87fGU8MvbxzbpMIYoEBEvUoNSGCsu3tH-sveT15gPsm9N1JebggEMmsdUQRiN__vOQ3VptrqyolFiM/s1600/novos+desenhos+017.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjnSPxzU206EkMnvsUkRR9Xf26KsJVDshWkBU3I-UPmnMSUozla5SoeaKEUFli1z87fGU8MvbxzbpMIYoEBEvUoNSGCsu3tH-sveT15gPsm9N1JebggEMmsdUQRiN__vOQ3VptrqyolFiM/s1600/novos+desenhos+017.jpg" /></a></div>
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O desânimo </div>
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<b> Passam-se meses. Acaba-se o flagelo. Ei-lo de volta. Vence-o a saudade do sertão. Remigra. E torna feliz, revigorado, cantando; esquecido de infortúnios, buscando as mesmas horas passageiras da ventura perdida e instável, os mesmos dias longos de transes e provações demoradas. </b></div>
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<br /></div>
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<br /></div>
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<b>BREVE BIOGRAFIA</b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha nasceu em Cantagalo, Estado do Rio de Janeiro, a 20 de janeiro de 1866. Terminando o curso secundário, matricula-se na Escola Politécnica, mas é obrigado, por motivos financeiros, a transferir-se para a Escola Militar (1884), de onde sai tenente e engenheiro, após uma interrupção provocada por suas ideias liberais. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Dedicando-se à Engenharia e ao jornalismo, nessa atividade segue para Canudos em 1896, como correspondente de "O Estado de São Paulo". No regresso vai para São José do Rio Pardo, a fim de construir uma ponte, e lá escreve Os Sertões, cuja publicação, em 1902, lhe trouxe imediata notoriedade. Ingressa na Academia Brasileira de Letras e no Itamarati, e mais tarde torna-se professor de Lógica no Colégio Pedro II (1909). </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Morreu assassinado a 15 de agosto de 1909. Deixou, além de "Os Sertões": "Peru versus Bolívia" (1907), "Contrastes e Confrontos" (1907), "À Margem da História" (1909), "Canudos, diário de uma expedição" só publicado em 1939. </b></div>
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<b> Nicéas Romeo Zanchett </b></div>
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<b>.</b></div>
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<b>VEJA TAMBÉM >>> <a href="http://gotasdeliteraturauniversal.blogspot.com.br/">GOTAS DE LITERATURA UNIVERSAL </a></b></div>
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<br /></div>
<br />Nicéas Romeo Zanchetthttp://www.blogger.com/profile/02379067383684275947noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2315330605768890420.post-75363754866103594422013-10-03T06:31:00.001-07:002013-10-03T06:35:30.380-07:00CARAMURU - Por Santa Rita Durão<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgKcZVhZ9hnJv56oEWIhMFLRF8xfTSHR-B2_NP-s0tdvYm-aqrO4Y_0YhFm412VhCGspbxjQLsPhf75PxnI9z6MCfsUfYWDR4lxjbofuxOkQuTcThDiWT1icK-syYHVUpmrHpZ-Uou85-g/s1600/%C3%8Dndice.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="170" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgKcZVhZ9hnJv56oEWIhMFLRF8xfTSHR-B2_NP-s0tdvYm-aqrO4Y_0YhFm412VhCGspbxjQLsPhf75PxnI9z6MCfsUfYWDR4lxjbofuxOkQuTcThDiWT1icK-syYHVUpmrHpZ-Uou85-g/s320/%C3%8Dndice.jpg" width="320" /></a></div>
<br />
<div style="text-align: center;">
<b>CARAMURU</b></div>
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<b>Por Fr. José de Santa Rita Durão </b></div>
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<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi-q4JX2BpqYHD6pvaefdM6n2UatyIzYpX8Os6U04b4qJ_dmhBszye4J4jukg4-HSyFi8AXlZL21G8-bbGR-nLVxcp51SfRLv_E6X9NBjvk1G-SgGj7udk1Rw_7HB4HeRGfR9cC5OuAyKU/s1600/bghn.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi-q4JX2BpqYHD6pvaefdM6n2UatyIzYpX8Os6U04b4qJ_dmhBszye4J4jukg4-HSyFi8AXlZL21G8-bbGR-nLVxcp51SfRLv_E6X9NBjvk1G-SgGj7udk1Rw_7HB4HeRGfR9cC5OuAyKU/s400/bghn.jpg" width="283" /></a></div>
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<b><br /></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>O NOSSO POEMA NACIONAL </i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>No seu poema épico Caramuru, teve anta Rida Durão um bem definido propósito patriótico. Este livro é a época do descobrimento do Brasil; a história do país é objeto no poema de três longas narrativas episódicas diversas, e o teatro da ação é o Recôncavo, por assim dizer, o berço da nacionalidade que ia aqui nascer e desenvolver-se.</i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>Foi orquestrado pelo nosso grande Maestro Carlos Gomes. </i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>Nicéas Romeo Zanchett </i></b></div>
<div style="text-align: left;">
<b> Ia ele de Portugal para o Brasil, quando uma tremenda tempestade acomete o navio e o faz dar à costa. Muitos cadáveres são arrojados pelas ondas à praia, onde os ferozes indígenas os devoravam. Sete, apenas, escaparam com vida, vindo do navio a nado até à terra. A estes poupam os horrendos selvagens, nus, de pele avermelhada untada de resinas, com as orelhas, nariz e boca furados, de onde pendem grosseiros enfeites, e com os lábios ainda vermelhos do sangue das suas vítimas recentes. </b></div>
<div style="text-align: left;">
<b> Mas se os poupam e os sustentam com cuidado, é apenas tendo em vista a sua engorda, a fim de mais delicioso e farto ser o banquete que preparam. </b></div>
<div style="text-align: left;">
<b> Enquanto dura o seu cativeiro, um dos náufragos, acompanhando-se numa viola que as ondas tinham trazido à pria ( juntamente com armas, munições e pólvora) canta, para recrear os companheiros. É nativo de uma ilha do Atlântico e poeta; e canta a história do bom selvagem americano que escutou a palavra de um missionário e morreu com cheiro de santidade, sendo o seu corpo levado numa nuvem para a ilha do Corvo, onde foi colocado no cimo de um alto pico, transformando-se aliem estátua que ficou apontando para o Brasil, a fim de que os europeus, obedecendo ao seu gesto, se encaminhassem para o Novo Mundo e ali espalhassem a salvadora doutrina de Cristo. </b></div>
<div style="text-align: left;">
<b> Enquanto os cativos escutavam estes cantores, Diogo, que entre eles se encontrava, contou-lhes o pressentimento que tinha de que brevemente a sua triste vida findaria na horrenda festa dos selvagens. E aconselhou-os a que afastassem seus pensamentos de cuidados terrenos, e, pedindo a Deus perdão de suas culpas, lhe encomendassem as almas. </b><br />
<b> Iam adiantados os preparativos da sinistra festa, e em breve os canibais os viriam buscar à gruta onde faziam sua morada, exceto a Diogo, que deixaram ali ficar, porque estava muito magro e doente. Ataram seis a postes e já o carrasco se aproximava de um erguendo o maço para com ele lhe esmagar a cabeça, quando se ouviu espantoso trovão que a todos amedronta, ao mesmo tempo que uma turba inimiga faz chover dardos e pedras sobre os selvagens, fazendo mortos os que queriam matar. Era Sergipe, chefe da vizinha tribo que com eles andava em guerra, que assim, de surpresa, os acometia. Logo esse chefe manda soltar os cativos, a quem toma por escravos. Porém, não há deles mais memória, e presume-se que, vagueando pelas brenhas, teriam ali encontrado a morte, servindo de alimento às feras. </b><br />
<div style="text-align: center;">
<b>II</b></div>
<div style="text-align: left;">
<b> O sol já estava alto quando, ao dispersar daquela turba carniceira, Diogo se viu só na gruta, ocupado por mil pensamentos desencontrados e por mil terrores. Anima-se, porém, em breve, e o seu peito vagaroso resolve não morrer sem tentar defender-se. Doente e enfraquecido, pouco podia contar com as suas forças, mas entrando na caverna que lhe servi de habitação, ali se revestiu das suas armas e elmo, e cingiu a espada e pôs a espingarda ao ombro. </b></div>
<div style="text-align: left;">
<b> Saindo da gruta assim armado, viu a turba dos selvagens, que davam mostra de terem sido vencidos. Vendo Diego armado, recuaram espavoridos, julgando contemplar um ente sobrenatural. De bruços aos seus pés lhe cai o chefe Gupeva, sucumbindo de pavor. Aproveitando aquela disposição, Diego, servindo-se do pouco que que aprendera da língua durante o cativeiro, fez valer o terror que inspirava e, falando mansamente, lhes explica que serve um Deus onipotente, que é o Pai de todos, e que detesta os sacrifícios humanos e proíbe os costumes canibais. Leva consigo o chefe Gupeva ao interior da gruta, e ai, servindo-se do fuzil, acende rápido a candeia, o que mai assombra e assusta os selvagens. Mostra-lhes as armas, as roupas, e uma imagem da Virgem que impressiona vivamente Gupeva. </b></div>
<div style="text-align: left;">
<b> Sai dali o chefe cheio de respeito e fala aos seus, repetindo-lhes as palavras do branco e ordenando que o venerem e o temam, porque é seu amigo e poderoso. </b></div>
<div style="text-align: left;">
<b> No dia seguinte organiza-se uma grande caçada, e então Diego, pegando na espingarda, atira a uma ave que logo derruba. O efeito deste tiro é espantoso. Os selvagens caem por terra e estorcem-se de pavor, gritando: <i>Caramuru! </i>que significa <i>filho do trovão. </i>E, dai por diante, esta palavra fica sendo para eles o nome do herói.</b></div>
<div style="text-align: left;">
<b> Levam-no então para a sua taba ou aldeia, onde lhe fazem as honras da hospitalidade. Pouco depois tem Caramuru a oportunidade de ver a filha de um rei vizinho, que é branca, rosada e linda como um anjo. Logo lhe oferece a mão de esposo, apenas exigindo que ela se convertesse ao catolicismo.</b></div>
<div style="text-align: left;">
<b> A bela Paraguaçu passa a servir de interprete para as conversas entre Caramuru e Gupeva; e este conta ao branco a sua fé na imortalidade com tão acertadas e claras razões que deixam o herói admirado. </b></div>
<div style="text-align: left;">
<b> Pelo meio da conversa vai sempre Diego falando do Deus verdadeiro e da sua santa doutrina e Gupeva conta-lhe como a tradição na sua gente tem observado as crenças antigas de um dilúvio universal de que só espantou Tamandaré e sua esposa, de quem descende toda a raça humana espalhada pelo mundo. </b></div>
<div style="text-align: left;">
<b> Diz-lhe as leis do seu povo, como se pratica a lei de Talião e como os <i>anhangás </i>(demônios) tentam os homens e os levam aos crimes; como existe um inferno horrendo para os maus em vales profundíssimos escondidos entre as montanhas que dividem o Brasil do Peru; e que existe um paraíso além dessas montanhas, para os heróis e os justos. </b></div>
<div style="text-align: left;">
<b> Termina Gupeva o seu discurso contando os milagres e pregões de São Thomé aos selvagens; sabem estes que ele era um enviado de Deus que queria ensinar-lhes o caminho do céu, mas esqueceram a sua doutrina. </b></div>
<div style="text-align: left;">
<b> Grande alarido interrompe o chefe nesta altura. É uma forte tribo inimiga que avança em pé de guerra. Recomenda Diego calma e prudência, e, disparando a espingarda, semeia terror na turba inimiga. </b></div>
<div style="text-align: center;">
<b>IV</b></div>
<div style="text-align: left;">
<b> O invasor era um chefe errante, terror do sertão, chamado Jararaca que, tendo um dia avistado a linda Paraguaçu, desejava casar com ela. Pedira ao pai e este acedera ao eu pedido, mas Paraguaçu não dera seu consentimento. Despeitado e irritado com esta recusa, Jararaca jurava vingar-se. </b></div>
<div style="text-align: left;">
<b> Para esse fim reuniu numerosos tribos de ferozes selvagens, de aspecto tão medonho que só vê-los causava espanto. Numerosos como as areias do mar, ai vinham eles agora, com seus chefes desafiando com gritos que mais pareciam demônios. </b><br />
<b> Disse-lhes Jararaca que Gupeva fizera aliança com o filho do trovão, e que diante dele tremera de medo e se humilhara, mas que ele, Jararaca, não tinha tais pavores, pois os raios do céu também matam alguns homens, mas não todos; e, declarando não ter medo algum de Caramuru, dizia que avançaria para ele sem tremer. </b><br />
<b> Começa a batalha inaudita; com os invasores vinha um exército de mulheres guerreiras temíveis, comandadas pela afamada Guarapiranga, chamada de grã baleia; mas do lado de Gupeva um outro batalhão feminino, não menos terrível, era comandado por Paraguassú. </b><br />
<b> Já o sangue corre, já muitos guerreiros caem para não mais se levantarem, quando um aliado de Jararaca, lança sobre Diego um tigre amestrado para a guerra, que consigo trazia.</b><br />
<b>Uma detonação retumba nos ares; a fera cai; Diego, precipitando-se, corta-lhe a cabeça. O terror domina as ondas inimigas, que se rendem ou fogem. </b><br />
<b> Paraguassú faz maravilhas ao lado de Diego, valendo eles dois por todo um exército, tal é o seu valor e os fitos estupendos que praticam; porém a donzela arrojada, afastando-se de caramuru no ardor da peleja, é ferida e cai em poder dos inimigos. </b><br />
<b> De novo se acende a luta atroz em torno daquele troféu precioso. Diego consegue por fim libertar a moça, e, tocando num tambor e disparando mais uma vez a espingarda, põe o inimigo em debandada e decide a sorte da batalha. Paraguassú, que desmaiara, volta a si e recompensa com um sorriso o seu libertador. </b><br />
<b> Mas Diego aponta a espingarda com mão e vista certa; espera a ocasião; o tiro parte; a bala atravessa a cabeça de Jararaca, que tomba como árvore derrubada. </b><br />
<b> Com a morte de Jararaca e o desbarato das canoas, a vitória é completa e definitiva. Todos os chefes inimigos se juntam e vem render-se a Diego, que por todos é eleito chefe supremo do sertão. </b><br />
<b> Tenta ele antão abolir o horrendo costume de banquete de carne humana; porém o costume e a gula são tamanhos que em tudo lhe obedecem seus vassalos, menos nisto. </b><br />
<div style="text-align: center;">
<b>VI </b></div>
<div style="text-align: left;">
<b> Vencida com espantosa vitória a grande batalha, de todos os pontos do sertão vieram chefes prestar homenagem a Caramuru e oferecer-lhe presentes. Todos lhe traziam as filhas para ele tomar como esposa; e estas vendo Diego ficavam com ciúmes de Paraguassú, de quem desejavam a morte. A bela preferida, aborrecida de tantas e tantas contrariedades, estava ansiosa de partir com o seu noivo para a Europa. </b></div>
<div style="text-align: left;">
<b> Diego, preocupado com v´rios pensamentos, afastou-se um dia da taba e pelas margens do formoso e vasto rio de São Francisco se foi alongando. Procurando refúgio contra os raios do sol ardente, penetrou numa gruta ou lapa, onde ficou assombrado. Era uma vastíssima caverna cavada e trabalhada pela natureza e tinha a forma e a grandeza de um enorme templo cristão. Ali caiu Diego de joelhos, adorando o Senhor, pois em tal milagre reconheceu o sinal de que Deus não desamparava os selvagens e já se preparava para os juntar ao seu rebanho de fieis.</b></div>
<div style="text-align: left;">
<b> Prosseguindo na sua viagem, teve Diego ocasião de salvar uns náufragos espanhóis que, vindos do Peru pelo largo do rio, demandavam novas terras. E, pouco depois, avistou uma nau francesa. Nessa nau embarcou, levando consigo Paraguassú, com destino à Europa, pois estava cansado de tamanhas aventuras e desejoso de levar aos seus as novas terras que descobrira e dos povos que dominara. </b></div>
<div style="text-align: left;">
<b> Ao largar a nau, depois das despedidas, as moças que queriam casar com Diego lançaram-se no mar e a nado seguiam, chorando, o navio. Uma delas, chamada Moema, agarrada ao leme, rompia em queixas que cortavam o coração; e por fim fundou-se nas ondas, e as outras, a nado, desconsoladas retrocederam à praia. (Este episódio de Moema é um dos mais belos de todo este maravilhoso poema épico).</b></div>
<div style="text-align: left;">
<b> Navegava o navio com bonança, e o comandante francês,sentado á popa, ia perguntando muitas coisas a Diego, que respondendo-lhe, narrava sua descoberta do Brasil e a divisão do mundo que o Papa fizera entre portugueses e espanhóis. E descreveu-lhe as diferentes províncias brasileiras, cada qual com a sua formosura e riqueza espantosas. Narra também a chegada ao Brasil do grande Cabral, que logo na nova terra descoberta fez erguer o sagrado lenho e celebrar um ofício divino e que os nativo, ainda que não compreendendo a sua significação, assistiram com grande respeito. </b></div>
<div style="text-align: left;">
<b> Conta depois a história das suas espantosas aventuras e de como assim descobrira a Bahia e novas terras e povos. </b></div>
<div style="text-align: center;">
<b>VII</b></div>
<div style="text-align: left;">
<b> Foi no outono que chegou à França o navio que levava Diego e a gentil Paraguassú. Reinava então Henrique II, casado com Catarina de Médicis. </b></div>
<div style="text-align: left;">
<b> Paraguassú, ao ver os palácios, as torres, a casaria, os vestuários e todos os luxos e movimento da cidade importante e civilização que era Paris, ficou estupefata de admiração e só nos olhos se lhe conhecia vida, pois parecia ter perdido o entendimento. </b></div>
<div style="text-align: left;">
<b> Logo, em Paris, se espalhou a fama de tal chegada. Diziam que Diego era o rei do Brasil e Paraguassú a rainha, e de todos os pontos da cidade acudia o povo para vê-los. </b></div>
<div style="text-align: left;">
<b> Foram recebidos pelos reis no meio da sua suntuosa corte e ali Diego contou as suas aventuras e disse-lhe que Paraguassú, que o acompanhava, era princesa ilustre da sua tribo e que desejava abraçar a fé de Cristo. </b></div>
<div style="text-align: left;">
<b> Catarina de Médicis ofereceu-se para ser madrinha de batismo, e três dias depois,com grande suntuosidade, Paraguassú banhou-se na água benta de um dos maiores templos de Paris, recebendo de sua augusta madrinha o nome de Catarina Alves. Com esse nome ficou sendo chamada aquela a quem a Bahia reconhece como sua fundadora. </b></div>
<div style="text-align: left;">
<b> Seguiu-se à importante cerimônia do batismo um grande banquete no paço do rei; e depois os reis determinaram receber o casal em audiência privada. </b></div>
<div style="text-align: left;">
<b> Nessa ocasião Henrique II manifestou a Caramuru o seu desejo de o ouvir sobre o que sabia sobre o Brasil. Obedecendo, Diego começa fazendo uma exposição da geografia do Brasil e dos hábitos e costumes das raças humanas que lá vivem. Descreve as províncias imensas, os enormes e majestosos rios, as florestas riquíssimas; e conta os usos estranhos, as tradições, a vida dos povos selvagens. Passa em seguida a narrar quais os vegetais que lá abundam, as flores mimosas ou magníficas, os frutos abundantes e deliciosos, as preciosas madeiras seculares, os animais estranhos e variados da terra, do mar e dos rios , as aves multicolores, os inúmeros mariscos e as grandes baleias. </b><br />
<b> Havia três anos que Diego chegara à França com o sentido de encontrar nesta viagem qualquer maneira de poder reformar os bárbaros costumes dos selvagens. lembrando-se sempre daquela pobre gente, meditava no regresso, a fim de prosseguir na sua vontade de salvar os selvagens da sua triste condição. </b><br />
<b> Foi então que o rei Henrique lhe ofereceu auxílio, forças, apoio e recompensa se ele aceitasse ir ao Brasil por conta da França. Diogo agradeceu, mas recusou, pois antes de tudo era português e a Portugal pertenciam as terras brasileiras que descobrira. Admira Du-Plessis, o capitão do navio que o trouxera, a sua nobre atitude, e associa-se à sua nova empreitada. Parte a nau levando a seu bordo Diego e Paraguassú. Não longe iam já do Equador quando Paraguassú, que orava, caiu num êxtase, não sabendo os que a rodeavam se era desmaiada ou morta, e assim esteve muitas horas transfigurada. </b><br />
<b> Voltado a si, narra a todos a estranha visão que tivera. Vira o futuro; a Bahia transformada numa grande e vistosa cidade; depois a invasão dos franceses e as horríveis guerras que se lhe seguiriam, distinguindo-se nelas vários heróis portugueses: Pedro Lopes de Souza, Luiz de Mello e Silva, Cristóvão Jacques, Mendo de Sá, Estácio de Sá, e outros, até que os invasores franceses foram expulsos e abatidos, e a voz do Evangelho domina na branda paz, espraiando-se pelas almas escuras que ilumina. Esta paz bendita durou setenta anos. Porém, eis que chega agora novo bando de invasores sequiosos das riquezas do Brasil. desta vez são os holandeses. Novas batalhas e novos heróis surgem, tais como o destemido Furtado de Mendonça, Menezes e outros. </b><br />
<b> E estando Paraguassú neste ponto da sua narrativa, que todos escutam com assombro, de súbito se levanta medonha tempestade que a interrompe, correndo os marinheiros e Diogo às manobras. </b><br />
<div style="text-align: center;">
<b>IX</b></div>
<div style="text-align: left;">
<b> Serenada a tempestade e branda a noite, todos se juntaram novamente, ardendo de curiosidade, em torno de Paraguassú, pedindo-lhe que continuasse a narrativa da sua visão. </b></div>
<div style="text-align: left;">
<b> É aqui que ela conta a grande guerra com os holandeses, que durou quinze anos com alternativas de vitórias e derrotas, renascendo constantemente o valor português, ao qual se unia o invencível valor dos povos brasileiros, de Mathias de Albuquerque, João Fernandes Vieira, e os dois heróis imortais Camarão e Henrique Dias. Termina por fim a tremenda luta pelo desbarato completo dos holandeses, que, desanimados, desistem da tentativa temerária e deixam o Brasil na paz e liberdade bem merecidas. </b></div>
<div style="text-align: left;">
<b> Viu Paraguassú no seu sonho muitas coisas notáveis; viu no Brasil prósperas províncias e cidades soberbas nascer e crescer; e famosos vice-reis e prelados ilustres. </b></div>
<div style="text-align: left;">
<b> Neste ponto se cala a bela Paraguassú e em novo êxtase a arrebata nova visão. Assim a deixam, esperando em breve ouvir a narrativa do sonho que a vontade celeste lhe envia. </b></div>
<div style="text-align: center;">
<b>X</b></div>
<div style="text-align: left;">
<b> Terminando o seu delírio santo, conta Paraguassú o que em sonhos viu. Teve a visão divina da Virgem Mãe de Deus com seu filho celeste nos braços; e Nossa Senhora falando-lhe, disse que a tornaria a ver a terra brasileira e que a veria próspera e feliz, mas que fizesse restituir a sua santa imagem roubada e a entregasse ao culto. </b><br />
<b> Todos comentavam esta visão sem a entenderem, quando, estando já à vista a terra brasileira, uma vela se aproximou do navio; dentro da embarcação vinham dois espanhóis Gonçalez e Garcez, dois dos que Diogo salvara do naufrágio no rio, havia bastante tempo. Logo se abraçaram comovidos, e Garcez contou como de Portugal, onde tinha chegado a noticia mandada por Caramuru da sua descoberta da Bahia, haviam enviado uma nau com Pereira Coutinho destinada a fazer a conquista da Bahia. Porém os selvagens, que a principio o receberam muito bem e aceitaram suas leis e ensino de que logo no país todo se sentiu a benéfica influência, em breve, por discórdias e intrigas se tornaram inimigos. De uma vez em que Pereira Coutinho, no seu navio abordava à praia no meio de denso nevoeiro, a embarcação bateu numa rocha, onde se desfez, e então, conforme de costume, os selvagens atacaram à gente branca, chacinando-a e devorando-a em grande parte, sendo uma das vítimas o grande Coutinho, o celebrado herói do Malabar!</b><br />
<b> Animou Diego com palavras de conforto o bom Garcez, que chorava. </b><br />
<b> Entretanto a nau entrava no recôncavo da Bahia e os nativos, aproximando-se e reconhecendo Caramuru e Paraguassú, recebiam-nos com mostras de grande contentamento. </b><br />
<b> Du Plessis, o comandante francês, começa a fazer o seu comércio, trocando mercadorias que trazia por várias madeiras que os indígenas iam carregando no navio, quando um selvagem, vendo numa capela interior da embarcação uma imagem da Virgem, a roubou e levou para terra. </b><br />
<b> Diogo e Paraguassú, que presenciaram o roubo, entenderam então a visão e caíram de joelhos, agradecendo a deus tal milagre, pois Paraguassú reconhecera na imagem a figura exata que em sonhos vira. </b><br />
<b> Correu a abraçar e beijar e adorar a imagem santa; e os selvagens, admirados com fervor dos sentimentos religiosos que ela manifestava, começaram a imitá-la, pois bem sentiam que tal figura era objeto digno de veneração. Dizem assim as estrofes do poema: </b><br />
<div style="text-align: center;">
<b><i>Carrega entanto o lenho desejado </i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>A nau de Du-Plessis, que Diego estuda, </i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>Que deseja em toda a terra obsequiado, </i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>Dando-lhe ao talho da madeira ajuda; </i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>Um carijó porém nisto empregado, </i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>Enquanto a carga em toda a nau se muda, </i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>Uma imagem roubou formosa e bela, </i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>Que a nau venera na interior capela. </i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>.</i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>Observou-a Diogo na cabana</i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>tratada dos Tupis com reverência, </i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>Estimando-a por coisa mais que humana, </i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>Que excedia dos seus a inteligência; </i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>Surpreendeu-se da imagem soberana</i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>O lusitano herói; e à competência </i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>Com eles venerando a Mãe Divina</i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>Chama a vê-la a piedosa Catarina. </i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>.</i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>Pôs-lhe os olhos a dama; e transportada</i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>"Esta é (disse) é esta a grã senhora</i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>Que vi no doce sonho arrebatada. </i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>Mais que o sol pura, mais gentil que a aurora; </i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>Eis aqui! esta é a imagem venerada; </i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>Este era aquele roubo; entendo agora. </i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>Oh, minha grande sorte! Oh, imensa dita!</i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>Isto me quis dizer a Mãe bendita!".</i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>.</i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>Dizendo assim com ânsia fervorosa</i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>Prostrada abraça a imagem venerada; </i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>Beija-a, aperta-a, de gosto lacrimosa.</i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>Mil saudosos ais ao céu lhe manda: </i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>"Aqui vos venho achar, Mãe piedosa, </i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>No meio (disse) desta gente infanda!</i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>Infanda, como eu fui se o vosso lume</i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>Não me emendara o bárbaro costume." </i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>.</i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>Olha entanto suspensa a gente bruta, </i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>E os excessos que vê cuidando admira;</i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>Nem concebe nas vozes que lhe escuta</i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>Se prazer seja, se de dor suspira; </i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>Quanto à dama piedosa obrando vira</i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>Qualquer imitação fazer deseja, </i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>E este a adora, outro abraça, e aquele a beija. </i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>.</i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>O lusitano e fraco religioso</i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>Veneraram com fé prodígio tanto, </i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>Lembrando-se do roubo portentoso</i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>Com claro indício de presagio santo, </i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>Enquanto o brutal povo numeroso</i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>Tudo nota em um êxtase de espanto, </i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>Até que a um templo em pompa veneranda</i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>A pia multidão a imagem manda. </i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>.</i></b></div>
<div style="text-align: left;">
<b> Foi esta a primeira imagem de Virgem que apareceu em terra brasileira. Foi aclamada sob a invocação de Senhora da Graça, protetora da Bahia. neste grande festejo se empenhava a turba, quando se ouviu uma salva estrondosa e se avistou uma grande armada que demandava o porto. Era Thomé de Souza que chagava do reino, mandado pelo rei de Portugal como governador da Bahia. </b></div>
<div style="text-align: left;">
<b> Fez então uma grande cerimônia em que a bela Paraguassú, aparecendo coroada de plumas e com o marraque por cetro na mão, em todo o esplendor da sua realeza, fez uma fala solene ao seu povo, anunciando-lhe paz e prosperidade sob o jugo doce e paternal da grande nação lusa, que estendia o seu império até aos confins do mundo. </b></div>
<div style="text-align: left;">
<b>Findo o seu discurso, tirou a coroa, que entregou a Souza, assim como o marraque, insígnia de soberania, e, descendo do trono, para lá convidou o governador a subir e lhe prestou homenagem. </b></div>
<div style="text-align: left;">
<b> Diogo então aclamou o rei na pessoa do governador, e os selvagens compreenderam que Thomé de Souza era agora a quem eles deveriam obediência. </b></div>
<div style="text-align: left;">
<b> A estrofe sobre este momento é a seguinte:</b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>Logo o Caramuru na língua do estilo</i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>das naturais falando ao chefe novo, </i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>Posto tudo em silêncio para ouvi-lo, </i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>O escudo da Bahia mostra ao povo; </i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>A pomba de Noé, que ao noto asilo</i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>Com ramo de oliveira vem de novo, </i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>Dando a entender a paz que à crua gente </i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>Com a fé dispensava o rei clemente. </i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i>.</i></b></div>
<div style="text-align: left;">
<b> Entrou a Bahia num período de prosperidade, e os missionários espalharam a doutrina cristã, abrandando-se os costumes e aceitando aqueles povos a civilização sem serem oprimidos pelos colonos. </b></div>
<div style="text-align: left;">
<b> Thomé de Souza publica um decreto real em que é mandado honrar na colônia Diego Alvares Correia, que vive feliz com sua esposa, e por todos é estimado. </b></div>
<div style="text-align: left;">
<b>.</b></div>
<div style="text-align: left;">
<b><i>Pesquisa, resumo e adaptação do poema por</i></b></div>
<div style="text-align: left;">
<b>Nicéas Romeo Zanchett </b></div>
<div style="text-align: left;">
<b>.</b></div>
<div style="text-align: left;">
<b><br /></b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhqNm7zCbNBtLMkPg-0uoODY6fnL6bLe316VvB577r8L9VpbzApg95xypWK58rr0Wbe2aksIaX1lC31poDaNnCJZG38jyw1gD4c61r9A1vz424OHO7LR4IcD-sC5Zf15uqiX_3uC0ew5IM/s1600/images.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhqNm7zCbNBtLMkPg-0uoODY6fnL6bLe316VvB577r8L9VpbzApg95xypWK58rr0Wbe2aksIaX1lC31poDaNnCJZG38jyw1gD4c61r9A1vz424OHO7LR4IcD-sC5Zf15uqiX_3uC0ew5IM/s1600/images.jpg" /></a></div>
<div style="text-align: left;">
<b>BREVE BIOGRAFIA DE SANTA RITA DURÃO </b></div>
<div style="text-align: left;">
<b> O frei José de Santa Rita Durão, nasceu em Cata Preta, em 1722. Foi um religioso agostiniano brasileiro do período colonial, orador e poeta. É também considerado um dos precursores do indianismo no Brasil. Caramuru foi seu poema épico e a primeira obra narrativa escrita a ter como tema o habitante nativo do Brasil; Foi inspirada e escrita no estilo de Luiz de Camões. Estudou no Colégio dos Jesuítas no Rio de Janeiro até os dez anos de idade, partindo em seguida para a Europa, onde se tornara padre agostiniano. Doutorou-se em Filosofia e Teologia pela Universidade de Coimbra e, em seguida, lá ocupou uma cátedra de Teologia. </b></div>
<div style="text-align: left;">
<b> Em Coimbra, durante o governo de Pombal, foi perseguido e teve de abandonar o país. Trabalhou em Roma como bibliotecário durante mais de vinte anos, até a queda de seu grande inimigo Pombal, quando então pode voltar para Portugal. Esteve também na Espanha e na França. </b></div>
<div style="text-align: left;">
<b> Com a queda de Pombal aconteceu a restauração da cultura passadista, e a sua principal atividade passou a ser a redação de Caramuru, publicado em 1781. Esta obra é seu grande poema épico de dez cantos, que foi influenciado pelo modelo camoniano. Formado por oitavas e criadas e incluindo informação erudita sobre a flora e fauna brasileiras, como também sobre os índios e sua cultura. Conta-se, entretanto, que sua obra seria muito maior, mas como a reação da crítica e do público foi muito fria, ele teria destruído o restante da obra poética. </b></div>
<div style="text-align: left;">
<b> Morreu em Lisboa no dia 24 de Janeiro de 1784. </b></div>
<div style="text-align: left;">
<b>Nicéas Romeo Zanchett</b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i><br /></i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i><br /></i></b></div>
<div style="text-align: center;">
<b><i><br /></i></b></div>
</div>
</div>
<div style="text-align: left;">
<br /></div>
</div>
<div style="text-align: left;">
<b> </b></div>
</div>
Nicéas Romeo Zanchetthttp://www.blogger.com/profile/02379067383684275947noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2315330605768890420.post-43404859494518733132013-09-16T06:54:00.002-07:002013-09-16T06:54:34.931-07:00A VOZ DAS PEDRAS - Por Coelho Netto <div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiECtFkhl9OSCWrtJeQkyUj1Grzc0w6fIkvwQLSl90XEsOYBMoT-o1b664ncX36XoHfu1SBwUMJsseqc9xYFO1I9MHfagaCTaGMqdqlZMUzWzh49_qV6xzy-8FhM1iwgoMrYUN7l4YntAs/s1600/coelho.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiECtFkhl9OSCWrtJeQkyUj1Grzc0w6fIkvwQLSl90XEsOYBMoT-o1b664ncX36XoHfu1SBwUMJsseqc9xYFO1I9MHfagaCTaGMqdqlZMUzWzh49_qV6xzy-8FhM1iwgoMrYUN7l4YntAs/s320/coelho.jpg" width="241" /></a></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<b>A VOZ DAS PEDRAS </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<b> Por Coelho Netto </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Áspero, todo eriçado de rochas, o solo estéril forrado de pedregulho, sem a grata folhagem de uma árvore, só com hirtas spatas de secos e amarelos agaves, o sítio lúgubre atroava com o retumbar das águas estrondosas dum rápido que espumava, refervendo em cachões, no fundo da grota donde subia uma auréola de névoa na qual o sol recurvava um iris deslumbrante. As mesmas águias impávidas fugiam, a largo voo, daquela paragem de pavor, só os morcegos e os mochos viviam em locas: uns oscilando pendurados pelas asas às arestas das pedras, outros imóveis, de olhos muito abertos, como emblemas de tristeza pousados no fundo lapidar das cavas. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Tal era o sítio funerário de onde, todas as tardes, subiam os brados melancólicos que assombravam os pastores e faziam uivar os rafeiros assustados. Desde que o sol começava a pender para as serras ninguém ousava passar nas imediações daquele lugar sinistro. O mesmo gado, ao soarem Trindades, descia atropeladamente, fugindo à beira do vale, a mugir, abalar como assombrado de algo que vira. Cada qual narrava um caso e, nas cabanas, ao luzir do fogo, falava-se baixinho do encanto do vale. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Tão diversas fábulas narravam os homens tímidos, que eu quis conhecer a verdade e resolvi descer afoitamente ao vale. Ofertas que fiz aos rústicos para que me acompanhassem foram todas rejeitadas, e não houve uma voz que animasse o meu desejo, todas vinham enfraquecê-lo com presságios de morte: </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Que ide buscar, senhor? Não vos queirais medir com o que é do inferno. Se fiais nas armas é porque não conheceis o inimigo - não há ferro que o penetre, nem bala que lhe faça mossa. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Deixei as palavras medrosas e, atendendo à minha resolução, parti. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Seguindo a trilha sinuosa que abre, através da floresta, uma passagem sombria, ouvindo os pios das aves recolhidas, gozando o aroma das flores entreabertas, antes mesmo de chegar à rampa alcantilada ouvi a voz do encanto a gemer no silêncio da tarde lívida. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Detive-me irresoluto, mas violentando a coragem, prossegui e, deixando as últimas árvores, dei com a grota, tão negra que a noite parecia nela condensar-se, subindo e espalhando-se nos ares como fumo espesso. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Uma voz proferia; prestei o ouvido ao clamor e logo distingui um nome de mulher. Abeirando-me da rampa abrupta, inclinando-me agarrado aos pendidos ramos, pude ver, pude ouvir. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Parando no fundo da grota um moço bradava. Era um rapaz de herdade que eu sempre tivera por idiota ao vê-lo, no campo, falando às árvores e aos passarinhos, beijando as flores ou, de pé, à beira do riacho, chorando sobre as águas. Perdera a noiva, dissera-me, e vivia a recordá-la percorrendo os seus lugares preferidos, acariciando as flores e as árvores que ela mais quisera e pedindo aos pássaros que andam nos ares, que levassem as suas saudades ao Paraíso.</b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Era ele... Pobre duende amoroso! Reconhecendo-o logo resolvi descer e lá fui, resvalando pela ribanceira, até o fundo da grota pedregosa. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> O moço bradava e o eco respondia. Cheguei-me ao triste e, tirando-o do enlevo em que jazia, interroguei-o:</b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Que fazeis? </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Ouço-lhe a voz. Todas as tardes com o silêncio, desço ao vale, reclamo da morte e o espírito da minha amada, e interrogo-o para convencer-me de que ainda me não esqueceu e também para não deixar que se desvaneça a lembrança do que juramos. Ela era ainda uma louquinha quando morreu - sorria a todos... e lá em cima há tantos jovens formosos que se foram da terra no melhor dos anos... Quereis ouvi-la? </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> E o mísero bradou o doce nome e logo o vale atroou se-turno. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Mas são as pedras que vos respondem, disse eu; é o eco que torna aos vossos ouvidos em som, que é o que há de material na palavra, o espírito, que é a ideia, desaparece no ar. Não é a vossa amada que vos responde,são as rochas do vale que refletem os vossos brados. Se quereis convencer-vos, deixai-me chamar a vossa amada. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> E bradei; e as pedras retumbaram. O moço fitou-me pálido e assombrado. de novo bradei, de de novo o eco repetiu o meu brado. Então? fitei nele os olhos - o mísero chorava e por entre soluços disse-me: </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Vieste matar a ilusão da minha alma. Eu vivia por ela, chorando e bendizendo a sua morte porque, se sinto a falta do seu rosto formoso não a vejo sorris aos outros como sorria, e agora que o túmulo a conserva presa, certo de que era só minha, ainda a encontro volúvel como era em vida, respondendo a todos como a todos respondia. Ai! de mim, ai! de mim! </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Mas são as pedras que respondem. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - As pedras... e seria também de pedra o seu coração para que a todos respondesse? A quantas jurou ela amor? a quantos! nem a morte corrigiu. Ela aqui jaz enterrada e do fundo da cova responde com a mesma facilidade com que atendia ao apelo dos moços que iam encontrá-la, sorrindo, junto à sebe florida do seu jardim. Não são as pedras que respondem, é o seu próprio coração que fala. Ela foi sempre volúvel! Ela foi sempre volúvel!...</b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> E o mísero rompeu a soluçar tão alto que as pedras, talvez com pena, soluçaram com ele. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Oh! a voz da mulher ingrata é como a dos vales côncavos. Que há nos vales vazios? A bruma efêmera que se desfaz igual às juras dos corações volúveis. </b></div>
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<b> Escondei-vos, namorados, e mandai que outro invoque o amor da vossa amada, mas fugi em tempo para não terdes o desengano. Ai! de mim...</b></div>
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<b> E eis como eu descobri o encanto e desfiz o assombro do vale triste... </b></div>
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<b> Hoje há um homem que foge ao lugar sinistro; é o louco enamorado que lá não volta, porque, como se tornou o caso conhecido, o rapazio do lugarejo ajunta-se no vale e brada pela morta infiel e a todos as pedras respondem... O mísero, de longe, ouvindo o clamor e... </b></div>
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<b> Quantos corações são feitos daquelas pedras...</b></div>
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<b><br /></b></div>
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<b>BREVE BIOGRAFIA </b></div>
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<b>Henrique Coelho Netto, escritor e romancista brasileiro, nasceu em Caxias, Maranhão, em 1864. Pertenceu a Academia Brasileira de letras. A sua obra é muito extensa, compreende mais de sessenta trabalhos, entre romances, novelas, contos e obras de teatro. Foi professor do Ginásio do Rio de Janeiro. Escreveu: Rapsódias, contos; A capital Federal, romance; Praia, novela; Baladilhas, contos; Inverno em Flor, romance; O Morto, romance; A descoberta da Índia, narrativa histórica, etc. Morreu no Rio de Janeiro em 28 de novembro de 1934. </b></div>
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<b>Nicéas Romeo Zanchett </b></div>
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<b>.</b></div>
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<b>LEIA TAMBÉM >>> <a href="http://gotasdeliteraturauniversal.blogspot.com.br/">GOTAS DE LITERATURA UNIVERSAL </a></b></div>
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<b><br /></b></div>
<br />Nicéas Romeo Zanchetthttp://www.blogger.com/profile/02379067383684275947noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2315330605768890420.post-48660238411763260732013-08-28T09:45:00.001-07:002014-06-01T02:47:19.915-07:00O ANEL DE POLICRATES - Por Machado de Assis<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgne4XRaLrFYxGHMy-IGdwi0PdQLhgFby9JL1y1QHJHZ3IcnSpnPwnNRyBl3J4jcZHVSkr4NF6dTAzO8xMa5r3ou-Qs_Vkbx_kRROVLOhOS1fKgrbW4LHbEAFlCc2vXs5T9R2bxNe3BAJY/s1600/vbghn.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgne4XRaLrFYxGHMy-IGdwi0PdQLhgFby9JL1y1QHJHZ3IcnSpnPwnNRyBl3J4jcZHVSkr4NF6dTAzO8xMa5r3ou-Qs_Vkbx_kRROVLOhOS1fKgrbW4LHbEAFlCc2vXs5T9R2bxNe3BAJY/s320/vbghn.jpg" height="240" width="320" /></a></div>
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<b>O ANEL DE POLICRATES </b></div>
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<b>Por Machado de Assis</b></div>
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<b>.</b></div>
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<b> A - Lá vai o Xavier. </b></div>
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<b> Z - Conhece o Xavier? </b></div>
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<b> A - Ha que anos? Era um nababo, rico, podre de rico, mas pródigo. ..</b></div>
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<b> Z - Que rico? que pródigo? </b></div>
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<b> A - Rico e pródigo, digo-lhe eu. Bebia pérolas diluídas em néctar. Comia língua de rouxinol. Nunca usou papel mata-borrão, por achá-lo vulgar e mercantil; empregava areia nas cartas, mas uma certa areia feita de pó de diamante. E mulheres! Nem toda a pompa de Salomão pode dar ideia do que era Xavier nesse particular. Tinha um serralho: a linha grega, a tez romana, a exuberância turca, todas as perfeições de uma raça, todas as prendas de um clima, tudo era admitido no harém do Xavier. Um dia enamorou-se loucamente por uma senhora de alto coturno, e enviou-lhe de mimo três estrelas do Cruzeiro, que então contava sete, e não pense que o portador foi um dos arcanjos de Milton, que o Xavier chamou na ocasião em que ele cortava o azul para levar a admiração dos homens ao seu velho pai inglês. Era assim o Xavier. Capeava os cigarros com um papel de cristal, obra finíssima, e, para acendê-los, trazia consigo uma caixinha d raios de sol. As colchas da cama eram nuvens purpúreas, e assim também a esteira que forrava o sofá de repouso, a poltrona da secretária e a rede. Sabe quem lhe fazia o café de manhã? A Aurora, com aqueles mesmos dedos cor de rosa, que Homero lhe pôs. Pobre Xavier! Tudo oque o capricho e a riqueza podem dar, o raro, o esquisito, o maravilhoso, o indescritível, o inimaginável, tudo teve e devia ter, porque era um galhardo rapaz, e um bom coração. Ah! fortuna, fortuna! Onde estão agora as pérolas, os diamantes, as estrelas, as nuvens purpúreas? Tudo perdeu, tudo deixou ir por água abaixo; o néctar virou zurrapa, os coxins são a pedra dura da rua, não manda estrelas às senhoras, nem tem arcanjos às suas ordens... </b></div>
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<b> Z - Você está enganado. O Xavier? Esse Xavier há de ser outro. O Xavier nababo! Mas o Xavier que ali vai nunca teve mais de duzentos mil réis mensais; é um homem poupado, sóbrio, deita-se com as galinhas, acorda com os galos, e não escreve cartas a namoradas, porque não as tem. Se alguma expede aos amigos é pelo correio. Não é mendigo, nunca foi nababo. </b></div>
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<b> A - Creio; esse é o Xavier exterior. Mas nem só de pão vive o homem. Você fala de marta, eu falo-lhe de Maria; falo do Xavier especulativo... </b></div>
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<b> Z - Ah! - Mas ainda assim, não acho explicação; não me consta nada dele. Que livro, que poema, que quadro... </b></div>
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<b> A - desde quando o conhece? </b></div>
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<b> Z - Ha uns quinze anos.</b></div>
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<b> A - Upa! Conheço-o ha muito mais tempo, desde que ele estreou na rua do Ouvidor, em pleno marquês do Paraná. Era um endiabrado, um derramado, planeava todas as coisas possíveis, e até contrarias, um livro, um discurso, um medicamento, um jornal, um poema, um romance, uma história, um libelo político, uma viagem à Europa, outra ao sertão de Minas, outra á lua, em certo balão que inventara, uma candidatura política, e arqueologia, e filosofia, e teatro, etc., etc., etc. Era um saco de espantos. Quem conversava com ele senti vertigens. Imagine uma cachoeira de ideias e imagens, qual mais original, qual mais bela, às vezes extravagante, às vezes sublime. Note que ele tinha a convicção dos seus mesmos inventos. Um dia, por exemplo, acordou com o plano de arrasar o morro do castelo, a troco das riquezas que os jesuítas ali deixaram, segundo o povo crê. Calculou-as logo em mil contos, inventariou-as com muito cuidado, separou o que era moeda, mil contos, do que eram obras de arte e pedrarias; descreveu minuciosamente os objetos, deu-me dois tocheiros de ouro...</b></div>
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<b> Z - Realmente... </b></div>
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<b> A - Ah! impagável. Quer saber de outra? Tinha lido as cartas do cônego Benigno, e resolveu ir logo ao sertão da Bahia, procurar a cidade misteriosa. Expôs-me o plano, descreveu-me a arquitetura provável da cidade, os templos, os palácios, gênero etrusco, os rito, os vasos, as roupas, os costumes... </b></div>
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<b> Z - Era então doido? </b></div>
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<b> A - Originalzão apenas? Odeio os carneiros de Panurgio, dizia ele, citando Rabelais: <i>Comme vous sacavez estre du mouton le naturel, tousjours suivre le premier, quelque part qu'il aille. </i>Comparava a trivialidade a uma mesa redonda de hospedaria, e jurava que antes de comer um mau bife em mesa separada. </b></div>
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<b> Z - Entretanto gostava da sociedade.</b></div>
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<b> A - Gostava da sociedade, mas não amava os sócios. Um amigo nosso, o Pires, fez-lhe um dia esse reparo; e sabe o que lhe respondeu? Respondeu com um apólogo, em que cada sócio figurava ser uma cuia de água, e a sociedade uma banheira. - Ora, eu não posso lavar-me em cuias de água, foi a sua conclusão. </b></div>
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<b> Z - Nada modesto. Que lhe disse o Pires? </b></div>
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<b> A - O Pires achou o apólogo tão bonito que o meteu numa comédia, de aí a tempos. Engraçado é que o Xavier ouviu o apólogo no teatro, e aplaudiu-o muito, com entusiasmo; esquecera-se da paternidade; mas a voz do sangue... Isto leva-me à explicação da atual miséria do Xavier.</b></div>
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<b> Z - É verdade, não sei como se possa explicar que um nababo... </b></div>
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<b> A - Explica-se facilmente. Ele espalhava ideias à direita e à esquerda, como o céu chove, por uma necessidade física, e ainda por duas razões. A primeira é que era impaciente, não sofria a gestação indispensável à obra escrita. A segunda é que varria com os olhos uma linha tão vasta de coisas, que mal poderia fixar-se em qualquer delas. Se não tivesse o verbo fluente, morreria de congestão mental; a palavra era o derivativo. As páginas que então falava, os capítulos que lhe borbotavam da boca, só precisavam de uma arte de os imprimir no ar, e depois no papel, para serem páginas e capítulos excelentes, alguns admiráveis. Nem tudo era límpido; mas a porção límpida superava a porção turva, como a vigília de Homero paga os seus cochilos. Espalhava tudo, ao acaso,às mãos cheias, sem ver onde as sementes iam cair; algumas pegavam logo...</b></div>
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<b> Z - Como a das cuias.</b></div>
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<b> A - Como a das cuias. Mas, o semeador tinha a paixão das coisas belas, e, uma vez que a árvore fosse pomposa e verde, não lhe perguntava nunca pela semente sua mãe. Viveu assim longos anos, despendendo à toa, sem cálculo, sem fruto, de noite e de dia, na rua e em casa, um verdadeiro pródigo. Com tal regime, que era a ausência de regime, não admira que fosse pobre e miserável. Meu amigo, a imaginação e o espírito tem limites; a não ser a famosa botelha dos saltimbancos e a credulidade dos homens, nada conheço inesgotável debaixo do sol. O Xavier não só perdeu as ideias que tinha, mas até exauriu a faculdade de criar; ficou oque sabemos. Que moeda rara se lhe hoje nas mãos? que sestércio de Horácio? que drama de Péricles? Nada. Gasta o seu lugar-comum, rafado das mãos dos outros, come à mesa redonda, fez-se trivial, chocho...</b></div>
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<b> Z - Cuia, emfim. </b></div>
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<b> A - Justamente: cuia. </b></div>
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<b> Z - Pois muito me conta. Não sabia nada disso. fico inteirado; adeus. </b></div>
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<b> A - Vai a negócio? </b></div>
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<b> Z - Vou a um negócio. </b></div>
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<b> A - Dá-me dez minutos? </b></div>
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<b> Z - Dou-lhe quinze. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> A - Quero referir-lhe a passagem mais interessante da vida de Xavier. Aceite o meu abraço, e vamos andando. Vai para a praça? Vamos juntos. Um caso interessantíssimo. Foi ali por 1869 ou 70, não me recordo; ele mesmo é que me contou. Tinha perdido tudo; trazia o cérebro gasto, chupado, estéril, sem a sombra de um conceito, de uma imagem, nada. Basta dizer que um dia chamou rosa a uma senhora, - "uma bonita rosa"; falava do luar saudoso, do sacerdócio da imprensa, dos jantares opíparos sem acrescentar ao menos um relevo qualquer a toda essa chaparia de algibebe. Começara a ficar hipocondríaco; e, um dia, estando à janela, triste, desabusado das coisas, vendo-se chegado a nada, aconteceu passar na rua um taful a cavalo. De repente, o cavalo corcoveou, e o taful veio quase ao chão; mas sustentou-se, e meteu as esporas e o chicote no animal; este empina-se, ele teima; muita gente parada na rua e nas portas; no fim de dez minutos de luta, o cavalo cedeu e continuou a marcha. Os espectadores não se fartaram de admirar o garbo, a coragem, o sangue frio, a arte do cavaleiro. Então, o Xavier, consigo, imaginou que talvez o cavaleiro não tivesse ânimo nenhum; não quis cair diante de gente, e isso lhe deu a força de domar o cavalo. E dai veio uma ideia;comparou a vida a um cavalo xucro ou manhoso; e acrescentou sentenciosamente: "Quem não for cavaleiro, que o pareça." Realmente, não era uma ideia extraordinária; mas a penúria do Xavier tocara a tal extremo, que esse cristal pareceu-lhe um diamante. Ele repetiu-a dez ou doze vezes, formulou-a de vários modos, ora na ordem natural, pondo primeiro a definição, depois o complemento; ora dando-lhe a marcha inversa, trocando palavras, medindo-as, etc.; e tão alegre, tão alegre como a casa de pobre em dia de peru. De noite, sonhou que efetivamente montava um cavalo manhoso, que este pinoteava com ele e o sacudia a um brejo. Acordou triste; a manhã, que era de domingo e chuvosa, ainda mais o entristeceu; meteu-se a ler e a cismar. Então lembrou-se... Conhece o caso do anel de Policrates? </b></div>
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<b> Z - Francamente, não. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> A - Nem eu; mas aqui vai oque me disse Xavier. Policrates governava a ilha de Samos. Era o rei mais feliz da terra; tão feliz, que começou a recear alguma viravolta da Fortuna, e, para aplacá-la antecipadamente, determinou fazer um grane sacrifício; deitar ao mar o anel precioso que, segundo alguns, lhe servia de sinete. Assim fez; mas a Fortuna estava tão apostada de cumulá-lo de obséquios, que o anel foi engulido por um peixe, o peixe pescado e mandado para a cozinha do rei, que assim voltou à posse do anel. Não afirmo nada a respeito desta anedota; foi ele quem me contou, citando Plínio, citando... </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Z - Não ponha mais na carta. O Xavier naturalmente comparou a vida, não a um cavalo, mas... </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> A - Nada disso. Não é capaz de adivinhar o plano estrambólico do pobre diabo. Experimentemos a fortuna, disse ele; vejamos se a minha ideia, lançada ao mar, pode tornar ao meu poder, como o anel de Policrates, no bucho de algum peixe, ou se o meu caiporismo será tal, que nunca mais lhe ponha a mão. </b></div>
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<b> Z - Ora essa!</b></div>
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<b> A - Não é estrambótico? Policrates experimentara a felicidade; o Xavier quis tentar o caiporismo; intenções diversas, ação idêntica. Saiu de casa, encontrou um amigo, travou conversa, escolheu assunto, e acabou dizendo oque era a vida, um cavalo xucro ou manhoso, e quem não for cavaleiro que o pareça. Dita assim, esta frase era talvez fria; por isso o Xavier teve o cuidado de descrever primeiro a sua tristeza, o desconsolo dos anos, o malogro dos esforços ou antes, os efeitos da imprevidência, e quando o peixe ficou de boca aberta, digo, quando a comoção do amigo chegou ao cume, foi que lhe atirou o anel, e fugiu a meter-se em casa. Isto que lhe conto é natural, crê-se, não é impossível; mas agora começa a juntar-se à realidade uma alta dose de imaginação. Seja o que for, repito oque ele me disse. Cerca de três semanas depois, o Xavier jantava pacificamente no <i>Leão de Ouro </i>ou no <i>Globo, </i>não me lembro bem, e ouviu de outra mesa a mesma frase sua, talvez com uma troca de um adjetivo. " Meu pobre anel, disse-lhe ele, eis-te emfim no peixe de Policrates." Mas a ideia bateu as asas e voou, sem que ele pudesse guardá-la na memória. Resignou-se. Dias depois, foi convidado a um baile; era um antigo companheiro dos tempos de rapaz, que celebrava a sua recente distinção nobiliária. O Xavier aceitou o convite, e foi ao baile, e ainda bem que foi, porque entre o sorvete e o chá ouviu um grupo de pessoas que louvava a carreira do barão, a sua vida próspera, rígida, modelo, ouviu compara o barão a um cavaleiro emérito. Pasmo dos ouvintes, porque o barão não montava a cavalo. Mas o panegirista explicou que a vida não é mais do que um cavalo xucro ou manhoso, sobre o qual ou se há de ser cavaleiro ou parecê-lo, e o barão era- excelente. " - Entra, meu querido anel, disse Xavier, entra no dedo de Policrates." Mas de novo a ideia bate as asas, sem querer ouvi-lo. Dias depois... </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Z - Adivinho o resto: uma série de encontros e fugas do mesmo gênero.</b></div>
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<b> A - Justo. </b></div>
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<b> Z - Mas, emfim, apanhou-o um dia.</b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> A - Um dia só, e foi então que me contou o caso digno de memória. Tão contente que ele estava nesse dia! Jurou-me que ia escrever, a propósito disto um conto fantástico, à maneira de Edgardo Poe, uma página fulgurante, pontuada de mistérios, - s~]ao as suas próprias expressões; - e pediu-me que o fosse ver no dia seguinte. Fui; o anel fugira-lhe outra vez. "Meu caro A, disse-me ele, com um sorriso fino e sarcástico; tens em mim o Policrates do caiporismo; nomeio-te meu ministro honorário e gratuito." Dai em diante foi sempre a mesma coisa. Quando ele supunha por a mão em cima da ideia, ela batia as asas, plas, plas, plas, e perdia-se no ar, como as figuras de um sonho. Outro peixe a engoli e trazia, e sempre o mesmo desenlace. Mas dos casos que ele me contou naquele dia, que dizer-lhe três... </b></div>
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<b> Z - Não posso; lá se vão os quinze minuto. </b></div>
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<b> A - Conto-lhe só três. Um dia, o Xavier chegou a crer que podia emfim agarrar a fugitiva, e fincá-la perpetuamente no cérebro. Abriu um jornal de oposição, e leu estupefato estas palavras: "O ministério parece ignorar que a política é, como a vida, um cavalo xucro ou manhoso, e, não podendo ser bom cavaleiro, porque nunca o foi, devia ao menos parecer que o é." Ah! emfim, exclamou Xavier, cá estás engastado no bucho do peixe; já me não podes fugir. Mas, em vão! a ideia fugia-lhe, sem deixar outro vestígio mais do que uma confusa reminiscência. Sombrio, desesperado, começou a andar, a andar, até que a noite caiu; passando por um teatro, entrou; muta gente, muitas luzes, muita alegria; o coração aquietou-se-lhe. Cumulo de benefícios; era uma comédia do Pires, uma comédia nova. Sentou-se ao pé do autor, aplaudiu a obra com entusiasmo, com sincero amor de artista e de irmão. No segundo ato, cena VIII, estremeceu. "D. Eugênia, diz o galã a uma senhora, o cavalo pode ser comparado à vida, que é também um cavalo xucro ou manhoso; quem não for bom cavaleiro, deve cuidar de parecer que o é." O autor com olhar tímido, espiava no rosto do Xavier o efeito daquela reflexão, enquanto o Xavier repetia a mesma súplica das outras vezes: - "Meu querido anel..."</b></div>
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<b> Z - <i>Et nunc et semper...</i> Venha o último encontro, que são horas. </b></div>
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<b> A - O último foi primeiro. Já disse que o Xavier transmitira a ideia a um amigo. Uma semana depois da comédia cai o amigo doente, com tal gravidade que em quatro dias estava à morte. O Xavier corre vê-lo; e o infeliz ainda o pode conhecer, estender-lhe a mão fria e trêmula, cravar-lhe um longo olhar baço da última hora, e, com a voz sumida, eco do sepulcro, soluçar-lhe: " Cá vou, meu caro Xavier, o cavalo xucro ou manhoso da vida deitou-me ao chão; se fui mau cavaleiro, não sei; mas forcei por parecê-lo bom." Não se ria; ele contou-me isto com lágrimas. Contou-me também que a ideia ainda esvoaçou alguns minutos sobre o cadáver, faiscando as belas asas de cristal, que ele cria ser diamante; depois estalou um risinho de escarno, ingrato e parricida, e fugiu como das outras vezes, metendo-se no cérebro de alguns sujeitos, amigos da casa, que ali estavam, transidos de dor, e recolheram com saudade esse pio legado do defunto. Adeus. </b></div>
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<b>BREVE BIOGRAFIA </b></div>
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<b>Joaquim Maria Machado de Assis, poeta e romancista brasileiro, nasceu no Rio de Janeiro em 21 de Junho de 1839 e faleceu em 25 de Setembro de 1908. Membro da Academia Brasileira de Letras, foi até morrer o seu presidente sempre reeleito. Escreveu: <i>Crisalidas, 1864; Falenas, 1870; Americanas, 1875, </i>três volumes de versos que o consagraram como poeta. Da sua vasta obra de romancista temos: <i>Don Casmurro; Quincas Borba; Memórias póstumas de Brás Cuba, 1881; Memoriam de Aires; Helena; Jayá Garcia; A mão e a Luva. </i>Para o teatro escreveu: <i>O caminho d posta; Uma Ode de Anacreonte. </i></b></div>
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<b>Nicéas Romeo Zanchett </b></div>
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<b>LEIA TAMBÉM > <a href="http://expressoespoeticasuniversais.blogspot.com.br/">EXPRESSÕES POÉTICAS UNIVERSAIS</a></b></div>
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<br />Nicéas Romeo Zanchetthttp://www.blogger.com/profile/02379067383684275947noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2315330605768890420.post-10910903243214120982013-08-27T07:47:00.002-07:002013-08-27T07:47:29.931-07:00O ENTERRO - Por Coelho Neto <div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhxu9P5c7T6nEknI4lxJgzSGuT3cV8ykBTJOUJb-6aTDj1MlNnmMp-O4eNxobn1gy1ZJKpogopTJKMfOpoAoTIWnNaQDfQ2kxFZjSE9bHu6C4Yqisr10md3MkWV0OXSTh8zLg4pu9NVIAc/s1600/coel.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhxu9P5c7T6nEknI4lxJgzSGuT3cV8ykBTJOUJb-6aTDj1MlNnmMp-O4eNxobn1gy1ZJKpogopTJKMfOpoAoTIWnNaQDfQ2kxFZjSE9bHu6C4Yqisr10md3MkWV0OXSTh8zLg4pu9NVIAc/s320/coel.jpg" width="241" /></a></div>
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<b>O ENTERRO </b></div>
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<b> Por Coelho Neto </b></div>
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<b> Outubro. O sol, em pleno meio-dia, alargava por todo o campo uma luz fixa e cáustica. Não havia sombra, tudo resplandecia de claridade e um tédio pesado e morno de preguiça parecia ter-se apoderado das próprias coisas, prendendo-as numa imobilidade morta, de onde nem mesmo o bulir das folhas tirava o doce murmúrio, tão agradável ao ouvido de quem trabalha sob rude prancha de uma soalheira viva. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Nas escarpas, esterilmente nuas, cabras, berravam com melancolia, e, de momento em momento, um boi magro surgia entre as palhas secas dos milhos, lento, estafado e mole, esticava o pescoço esfolado pela canga e mugia, ficando depois com o focinho à altura das praganas louras, contemplativo e tristonho, a olhar o céu de um azul liso e forte. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Por baixo, num largo planalto de terra vermelha, limpa de fresco, recentemente gredada, uma charrua arrastava-se ao passo tardo de dois touros. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Do céu quente, sob a radiação nevrótica do sol, caía uma paz cansada, e na vasta planície nua, toda de restolho, ceifada de extremo a extremo, erguia-se apenas um casebre tosco, metido dentro de um cercado, à sombra quieta de um mangueiral ramalhoso. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> A par da estrada, de um amarelo sujo e peco, orlada de espinhais mirrados, corria, murmuroso e pesado, o rio sonolento, onde a figura solitária de uma lavadeira brandia panos, metida n'água até aos joelhos. No alto de um monte, fechado de mato intenso, ardia tremulamente, fumarando espirais de cor turquesa nova, um fogo de estio, aceso espontaneamente, como outrora arderam no cume do Sinai as sarças de onde surgiu Jeová ditando a Moisés as leis do Decálogo. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Para além andava-se em recua, gente miúda, pequena como as ervas rentes, diminuída consideravelmente pela distância, mourejava; ouvia-se o relincho prolongado de um carro primitivo, que vinha sulcando a terra com rodas compactas, atulhado de lenha.</b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> De repente uma voz fina partiu a cantar gemedoramente e, antes de morrer de todo, um coro tomou do eco e entoou o mesmo canto, num ritornelo grave. Dois homens, a cavalo, surgiram detrás da barranca; em seguida as madrinhas, duas vacas mansas, tinindo cincerros; a boiada depois, submissa e vagarosa, turbilhonando o pó vermelho da estrada, e por fim um magote de campeiros, pampilho em punho, cantando numa toada indolente o coro pastoral. </b></div>
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<b> A tropa ganhou o campo. Reboaram gritos de: - EH! Ahuu! EH! lou! cá, cá, cá, ehou!</b></div>
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<b> E o gado solto, tresmalhou na pastagem, começando, à luz intensa e abafada, o rouco mugir dos touros, um após outro, dois a um tempo, e o galope dos bezerros, enquanto os guieiros, pulando abaixo dos lombilhos, desciam na direção do rio, juntos, ficando um só de guarda. </b></div>
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<b> O céu, para os lados do oriente, ia tomando uma cor baça de mercúrio e começava a arejar o escampo uma brisa fraca, trescalando a queima. </b></div>
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<b> Aves piavam e no alto giravam malabarescamente urubus de atalaia. De vez em quando, no cercado do casebre, um galo soava a voz estrídula, e outros, daqui e de lá, numa sucessão pausada, cocoricavam em resposta. </b></div>
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<b> Rolavam, de longe em longe, como num aviso de tormenta próxima, surdos rumores de trovões; mas a luz, cada vez mais incendida, cada vez mais escaldante e mais clara, parecia desmentir o anúncio da tempestade. Revoadas de pombos cruzavam com um tatalar sonoro, seguindo o rumo do vento, numa batida rápida, e, no quintalejo do casebre, um vulto de mulher, alta e fina, estacou entre os capins baixos, levou a mão espalmada à altura dos olhos, fitou a luz, e lentamente começou a recolher a roupa que corava no verde estendal de grama, enquanto um menino ia e vinha, a correr, carregando à cabeça paveias de capim novo, e as aves domésticas, cacarejando, acoutavam-se debaixo da ramaria frondosa das mangueiras. O vento começava a zurzir as folhas e escurecia com a rapidez com que descem os crepúsculos no inverno. </b></div>
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<b> Um frêmito de claridade percorreu todo o céu argamassado de nuvens e o rumor trovejante roncou mais forte, mais próximo, mais demorado; o ar pesava sufocante e, de vez em vez, circulava um redemoinho de poeira, em funil, dentro do qual ricocheteavam folhas. </b></div>
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<b> O dobre de um sino encheu momentaneamente o silêncio com a vibração ondulante de um misticismo meigo; outro dobre ressoou mais brando, como se partisse de mais longe, e logo após um, forte e claro, conforme as voltas bruscas do vento que soprava grosso. </b></div>
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<b> Dobrava afinados. Era o saimento da Teçaí, velha cabocla septuagenária, descendente dos fortíssimos Goytacazes, nascida e criada nesse lugar, primeiramente chamada de Taba de Itamina, pelo constante forgacho que ardia no monte, que diziam ser a alma pagã de Tagiíra, morta ao trocar o primeiro beijo, fulminada por Tupan justamente quando ia entregar a sua virgindade à volúpia brutal de um aventureiro branco. </b></div>
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<b> A gente simples de Itamina respeitava e temia a velha Teçaí, uns pelas suas pragas e malefícios, outros pelo terror da lenda que se criara em torno do seu nome. </b></div>
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<b> "Teçaí, a mãe das lágrimas, diziam em trovas os bardos das serranias, era filha da Yara Poranghi, fecundada por um raio de lua nova em Agosto. Nascera em uma Sexta-feira, à noite, à hora do primeiro cantar do galo. Na sua mocidade seus olhos tinham o poder de envenenar os homens e eram tão fortes seus olhos que, se por acaso se levantavam para o céu, as estrelas de Deus caíam moribundas." </b></div>
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<b> Era por isso que Itamina, à noite, quando no céu passava uma estrela cadente, os rústicos, perseguindo-se, diziam: </b></div>
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<b> - Mais uma vítima dos olhos maus de Teçaí! </b></div>
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<b> Os que conheceram a moça falavam com assombro da sua grande beleza, mas ninguém se bagou jamais de a ter possuído. </b></div>
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<b>Sobre os seus cabelos corria uma tradição ingênua e poética. Dizia uma canção: </b></div>
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<b> " Nos cheirosos cabelos de Taçaí, longos, negros e sedosos, nascem rosas e cravos, lírios e bogaris. "</b></div>
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<b> " A cabeça de Teçaí é como um jardim cuidado - as flores das suas tranças dormem em botões fechados e, pela manhãzinha, justamente como as do campo, acordam desabrochadas." </b></div>
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<b> A poesia popular inspirara-se na estranha paixão índia pelas flores; porque ela andava sempre toucada de ramilhetes acreditavam que eles nasciam nos seus cabelos cheirosos. </b></div>
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<b> Á noite, os que viajavam, passando junto ao rio, achavam-na a bailar, falando á lua e às águas numa linguagem singular. Durante o dia cultivava a sua horta, junto à igreja.</b></div>
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<b> Sucumbira de velhice, diziam, e lá ia o seu enterro triste, acompanhado por um borrego malhado, seu único amigo, e os que a levavam; ninguém mais. O sino, entretanto, gemia pela pagã, a igreja abençoava a bárbara, mas o céu, a mais e mais fechado, parecia trancar-se para não receber a alma infiel da índia feiticeira, cujo corpo encarquilhado ia a caminho da cova, ao tinir da sineta e ao triste balar do borrego, encerrado em uma arca, que nem um caixão lhe deram os piedosos cristãos de Itamina. </b></div>
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<b> Súbito, um clarão instantâneo iluminou o campo; durante uma pausa, o sino vibrou choroso, mas um formidável estrondo atroou os ares, abalando a terra; outro, logo em seguida, com um estalar de raio. Os bois assustados deitaram a correr aos galões, através da planície. Num ápice todos os campeiros montaram e a um grito partiram rebolando o sedenho, cravando de rijo as chilenas, atrás do gado que sumia perseguido pelos roncos da tormenta, na direção de um vale seco, cavado entre rochas. Mas a chuva varreu o campo, grossa, rabanando, açoitada por um vento desabrido que se levantara. Sucediam-se os relâmpagos e os trovões ribombavam; longe, os gritos dos campeiros que afrontavam a tempestade brandindo os compridos ferrões, e além, o borrego da defunta, parado, indeciso, balando sob o aguaceiro, a olhar comovedoramente os homens que corriam sacolejando a morta dentro da velha arca. </b></div>
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<b> Sereno, tranquilo, continuando a bater à porta do céu com a sua prece, o sino, entretanto, insistia no seu ofício de religioso, triste, no púlpito do campanário, rezando pela morta o seu piedoso <i>Réquiem </i>monossilábico de sons. </b></div>
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<b>BREVE BIOGRAFIA </b></div>
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<b>Henrique Coelho Neto, escritor r romancista brasileiro, nasceu em Caxias, Maranhão, em 1864. Pertenceu à Academia Brasileira de Letras. A sua obra, muito extensa, compreende mais de sessenta trabalhos, entre romances, novelas, contos e obras de teatro. Foi professor no Ginásio do Rio de Janeiro. Escreveu: <i>Rapsódias,</i> contos; <i>A Capital Federal, </i>romance; <i>Praga, </i>novela; <i>Baladilhas, </i>contos<i>; Inverno em flor, </i>romance; <i>O Morto; </i>romance; <i>A descoberta da índia., </i>narrativa histórica. Por muito tempo foi o escritor mais lido do Brasil. Por esta obra, você podem ter uma ideia de sua grandiosidade literária. </b></div>
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<b>Nicéas Romeo Zanchett </b></div>
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<b>LEIA TAMBÉM > <a href="http://expressoespoeticasuniversais.blogspot.com.br/">EXPRESSÕES POÉTICAS UNIVERSAIS</a></b></div>
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<br />Nicéas Romeo Zanchetthttp://www.blogger.com/profile/02379067383684275947noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2315330605768890420.post-25280365868442407682013-07-20T13:20:00.001-07:002013-07-20T13:23:16.637-07:00HELENA de Machado de Assis<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjP5XMnXZ6Oks0CRpVA7pVdDHz-OQlJelwdLSV3dMF6zxcIOPvm6aTXHemXvHTjpdFor6r97ZyDCYyYKtFtpjcM-9vcNul79GPoXtW_Bj9D1pXT2H9j3b6T6wNiNyUm-UkD0GKxov1vDZEy/s1600/fghj.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjP5XMnXZ6Oks0CRpVA7pVdDHz-OQlJelwdLSV3dMF6zxcIOPvm6aTXHemXvHTjpdFor6r97ZyDCYyYKtFtpjcM-9vcNul79GPoXtW_Bj9D1pXT2H9j3b6T6wNiNyUm-UkD0GKxov1vDZEy/s1600/fghj.jpg" /></a></div>
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<b>HELENA </b></div>
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<b>De Machado de Assis </b></div>
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<b>Resumo de Nicéas Romeo Zanchett </b></div>
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Helena é um dos melhores livros do nosso grande escritor Machado de Assis, na sua primeira fase de feição romântica, e por ele mesmo é um livro particularmente prezado. </div>
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De todos os do autor, é o que mais se presta a um resumo. Algo romanesco, na opinião do próprio Machado de Assis, tem força de mocidade, tem vida e muita arte de composição e de análise. </div>
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<b> Ao morrer, deixou o conselheiro Valle, já viúvo, dois únicos parentes, um filho, Estácio, de 27 anos e engenheiro, e uma irmã solteira, D. Úrsula, de 50 e poucos anos, e que sempre vivera em sua companhia. Mas o testamento do conselheiro revelou a existência de uma outra filha, Helena, que ele reconhecia como herdeira de uma parte dos seus bens e que devia passar a viver com a família, a quem recomendava que a tratasse com desvelo e carinho. Helena estava, na ocasião, estudando num colégio de Botafogo - RJ. Tinha 17 anos. Semanas depois concluía os estudos; e D. Úrsula foi buscá-la. Não aceitava de boa mente essa incumbência, mas foi fazer o que devia. A moça, não obstante a consanguinidade agora conhecida, era de todo estranha à família. D. Úrsula, no seu íntimo, reprovava a resolução do conselheiro; ao seu parecer bastava, como generosidade paterna, a parte do legado; era excessivo deixar-lhe também a coparticipação do afeto. Acompanhava-a nesse sentimento, e ainda com maior restrição, um velho amigo da família, o Dr. Camargo; entre as razões que o moviam, a mais forte e calada era o egoísmo de pai; tinha uma filha única, Eugênia, quase noiva de Estácio. Estácio, por índole de coração, e por seu bom caráter, não formulou nem consentiu objeções à atitude do pai; e predispôs-se à nova afeição fraternal, que parecia vir completar-lhe a vida doméstica. A impressão que teve de Helena foi melhor do que ele podia prever. Era uma linda moça,finamente educada e de inteligência aguda, superior à sua idade. </b></div>
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<b> Houve, como era natural, nos primeiros dias muito acanhamento, mas a familiaridade se fez sem demora, ainda que sem o abandono de irmãos, que se formam junto desde o berço. Em Estácio predominava sempre a surpresa do conhecimento progressivo, e a sua afeição trazia um perfume de enlevo. </b></div>
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<b> Helena captou também, aos poucos, a simpatia dos frequentadores da casa, salvo o Dr. Camargo, que a olhava sempre com o espírito prevenido. D.Úrsula resistia para não se deixar vencer pelas graças da sobrinha; mas teve de ceder de todo depois de uma moléstia grave em que Helena a assistiu como enfermeira dedicada, com solicitude e carinho de mãe. O reconhecimento de D. Úrsula foi abundante e espontâneo. A primeira vez que saiu do quarto, amparando-a de um lado e do outro, Helena e Estácio fizeram-na sentar-se em frente a uma janela da sala, que o sobrinho entreabriu para penetrar além da luz, um pouco de ar. D. Úrsula respirou longamente, como se estivesse lavando o pulmão com aquela primeira onda de vida. Depois, segurando as mãos de Helena, que ficara de pé a seu lado, fê-la inclinar a fronte, e imprimiu-lhe um longo beijo, verdadeiramente maternal. Estácio, aproximara-se; aquela manifestação encheu-o de júbilo. </b></div>
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<b> " Bem merecido beijo", exclamou ele. "Helena foi um anjo em todo esse tempo".</b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> " Bem sei", retorquiu D. Úrsula; "foi um verdadeiro anjo, foi mulher, mãe e filha. Obrigada, Helena! Pode ser que a medicina tenha ajudado a cura, mas o principal mérito é só teu". </b></div>
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<b> Helena abraçou a convalescente. </b></div>
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<b> "Estácio", disse esta, "agradece a tua irmã, como eu fiz". </b></div>
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<b> Estácio inclinou-se para Helena, afim de lhe dar-lhe um beijo fraterno de irmão. Não o conseguiu, porque Helena, desviando-se estendeu-lhe sorrindo a mão esquerda, e disse: </b></div>
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<b> " Não foi serviço que merecesse tanta paga; basta-me o aperto de mão e o afeto de todos". </b></div>
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<b> Estácio apertou-lhe a mão e sentiu-a trêmula. Aquele movimento não lhe pareceu exagerado nem descabido; achou-a assim mais bela. </b></div>
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<b> Fosse outro o estado do coração de Estácio, e havia de parecer-lhe exagerada e descabida, tamanha reserva no trato entre irmãos. E notar-lhe-hia também com estranheza o tremor da mão. Mas o enlevo prevalecia nele, e não o predispunha para uma análise do sentimento dela e dele. Na verdade, amava-se, como namorados um do outro; e a convivência ajudava o amor, sem que dessem acordo da natureza dessa atração que era idílica, mas não excedia a liberdade de dois irmãos amigos. Estácio notava, é certo, que já não era tão instante o seu amor a Eugênia, e tudo era pretexto para ele ir adiando a declaração de noivado. Comparava Eugênia e Helena; e parecia-lhe que esta era o tipo da mulher e esposa; a outra era formosa, mas tinha a vaidade de sua beleza, amava-se sobretudo a si mesma no amor que podia inspirar a outrem. "Há cem belezas como aquela", disse ele a Helena, uma vez que esta lhe notara propositadamente a formosura da amiga. E insistia para que ele resolvesse logo o noivado. Estácio prometia, continuava a adiar, mas o seu pensamento era mais ocupado por Helena do que pela futura noiva. E surgia uma razão para preocupa-lo.</b></div>
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<b> Surpreendera a irmã entretida na leitura de uma carta, que ela procurou esconder. Suspeitou um namoro; e a suspeita parecia confirmar-se com o procedimento da moça, que de quando em quando saia a cavalo, fazendo-se acompanhar de um escravo, em vez dele, e as vezes às escondidas dele. Entrou a espreitá-la. E um dia fez-lhe uma alusão ao motivo secreto dos seus passeios. Estava os dois na chácara de casa. A moça não respondeu à indireta. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> "Helena", disse ele, "você ama". </b></div>
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<b> A moça estremeceu, e corou vivamente; olhou em volta de si como assustada e pousou as mãos nos ombros de Estácio. Refletiu ela no que disse depois? É duvidoso; mas a voz, que nessa ocasião parecia concentrar-lhe todas as melodias da palavra humana, suspirou lentamente: </b></div>
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<b> "Muito! Muito! Muito!" </b></div>
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<b> Estácio empalideceu. A moça recuou um passo, e, trêmula, pôs o dedo na boca como a impor-lhe silêncio. A vergonha flamejava no seu rosto; </b><b>Helena deu as costas ao irmão e afastou-se rapidamente. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Pessoa que assistisse à cena teria concluído o verdadeiro sentimento dos dois. Mesmo sem ter ouvido esse e outros diálogos íntimos, compreendera-lhes o estado de alma o padre Melchior, velho capelão e amigo da família. Interviu diretamente para apressar o noivado de Estácio, o qual por fim se decidiu, a instâncias de Helena, solicitada pelo Dr. Camargo, pai de Eugênia. Pouco depois a família do Dr. Camargo teve de fazer uma viagem a Cantagalo, onde residia a madrinha de Eugênia, que adoecera gravemente. Eugênia era das possíveis herdeiras, e havendo outros parentes que assistiam a enferma, convinha-lhe estar o lado desta naqueles dias de crise. Era o que pensava o Dr. Camargo; a filha, porém, só iria indo também o seu noivo. Estácio não pode levar avante a sua relutância, e partiu. Mas foi só com o corpo; a alma ficou-lhe toda em casa junto de Helena; e é o que exprimia a efusão d'uma longa carta escrita à irmã. Leu-a o padre Melchior, quis ler também a resposta de Helena, e senhor do segredo confessado e inconfessável dos dois, confiante também no caráter de Helena, promove a sua anuência ao pedido de casamento que lhe fez então uma amigo de mocidade de Estácio, Mendonça, recém-chegado da Europa. Só faltava a aprovação de Estácio, e com ele contava Mendonça. Mas apenas teve a notícia em Cantagalo, Estácio partiu para o Rio, e ao contrário da esperança de Mendonça, opôs ao noivado tanta displicência de maneiras e tais razões, que o amigo, contra o voto do padre Melchior, contra a declaração de Helena, entendeu retirar o seu pedido. A razão principal, antes pretexto, que opunha Estácio era a existência duma afeição oculta de Helena, e sobre a qual ele a interrogara. Na sua consciência confusa apontavam as dúvidas sobre o motivo dos pais de Helena. E uma manhã, em que ele, por aturdir-se, saíra a caçar, aconteceu ver justamente Helena, que saía de uma casa no caminho da Tijuca, a mesma casa desenhada por ela num quadro com que e presenteara no dia de seu aniversário. O pagem escravo esperava-a com o cavalo a pequena distância. Estava ali, pois, a explicação dos passeios matinais de Helena. Não pode vencer o desejo de ir ele também à casa misteriosa, e uns arranhões sangrentos da mão, ao apoiar-se numa cerca de espinhos, deram-lhe ali logo o pretexto para bater à porta da casa como a pedir água para lavar-se do sangue. Abriu-lha o morador, homem de meia idade, de aspecto pobre, mas gentil, que se prontificou logo em fazer-lhe os curativos e o entreteve em palestra. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> O mistério crescia, com o desvanecimento da hipótese de que as visitas de Helena àquela casa tivessem um intuito de caridade. Nessa mesma tarde, Estácio, em retribuição a uma carícia efusiva de Helena, tomou do desenho dela e apontou-lhe a casa com um olhar, que exprimia dor, interrogação, e intimativa. A moça nada pode responder, tamanha foi a sua comoção. Recolheu-se a seu quarto, donde não saiu todo esse dia, recusando alimento. Houve então um conselho de família, com a presença do padre Melchior, e afinal explicou-se o mistério. O morador da casa, Salvador, era pai de Helena; o reconhecimento desta como filha, por parte do conselheiro Valle, fora um ato de piedosa afeição, na crença de que havia morrido o pai, na verdade só traído pela amante, mãe de Helena, que ao conhecer o conselheiro lhe ocultava o motivo da ausência de Salvador. </b></div>
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<b> Este, apesar da afeição que tinha à filha, resignava-se a ser tido como morto, preferindo o seu sacrifício ao da felicidade de Helena. Revelara-se mais tarde à filha, e conseguiu com os seus argumentos fazer com que ela não rejeitasse o reconhecimento testamentário e a parte da herança. Contentava-se com o sentir de longe o seu amor filial, e ter de quando em quando as suas visitas. Obtidas todas as explicações e comprovadas pelas cartas anteriores de Salvador e de Helena, ficou acordado que não mudasse a situação desta; a afeição da família não mudara, pela pessoa de Helena, e era imprescindível evitar-se o escândalo da revelação, que prejudicava a memória do conselheiro Valle. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> E foi o que prevaleceu sobre o sentimento de Estácio, a quem sorria a possibilidade de realizar o amor, de que tinha enfim a consciência. Helena, porém, não se conformava à ideia de que a pudessem julgar uma aventureira. Se as afirmações que lhe faziam de que a estima de todas era igual e porventura ainda maior que antes, não lhe permitiam deixar a casa; não fraqueou a sua resolução de deixar-se morrer, para não afrontar a vergonha da situação. Na verdade o que lhe fazia o desespero era a necessidade de continuar a ser tida como irmã de Estácio, a quem ela amava. A morte desejada como solução veio provocada por ela. No delírio da febre, dois nomes volviam frequentemente aos lábios da enferma, o de Estácio e o de seu pai. Pouco antes de fechar para sempre, os olhos dela já volvidos para a eternidade, deitaram um derradeiro olhar para a terra, e foi Estácio que o recebeu, olhar de amor, de saudade e de promessa. </b></div>
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<b> "Ânimo, meu filho! disse a Estácio o capelão. </b></div>
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<b> " Perdi tudo, padre mestre!" gemeu Estácio. </b></div>
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<b>O resumo de grandes obras literárias, que tenho feito, tem como principal objetivo despertar o interesse dos leitores para conhecer a literatura dos maiores escritores de todos os tempos. </b></div>
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<b>Nicéas Romeo Zanchett </b></div>
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<b>LEIA TAMBÉM >>> <a href="http://gotasdeliteraturauniversal.blogspot.com.br/">GOTAS DE LITERATURA UNIVERSAL</a></b></div>
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<br />GOTAS DE CULTURAhttp://www.blogger.com/profile/05297345491578235021noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2315330605768890420.post-48924247108742464932013-07-12T09:49:00.001-07:002013-07-12T09:49:42.823-07:00FELIZ ANIVERSÁRIO - Por Clarice Lispector - Laços de Família<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgJ8CUymFM5oHdMtvRTOcQT8k4cPcaMRN8u7cE80rFCHoKLJBTrVtZnkoIMziI_UFaZ2nPkEe6nOlRSJDDNlzzDYJln5bLIMrR1CGC1wcMRKN-hy3YMHL33rIsxVaMCArKSivFVkGvDLeAw/s1600/clar.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgJ8CUymFM5oHdMtvRTOcQT8k4cPcaMRN8u7cE80rFCHoKLJBTrVtZnkoIMziI_UFaZ2nPkEe6nOlRSJDDNlzzDYJln5bLIMrR1CGC1wcMRKN-hy3YMHL33rIsxVaMCArKSivFVkGvDLeAw/s1600/clar.jpg" /></a></div>
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<b>FELIZ ANIVERSÁRIO </b></div>
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<b>Por Clarice Lispector </b></div>
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<b> Laços de Família </b></div>
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<b> A família foi pouco a pouco chegando. Os que vieram de Olaria estavam muito bem vestidos porque a visita significava ao mesmo tempo um passeio a Copacabana. A nora de Olaria apareceu de azul-marinho, com enfeite de "pailletès" e um drapeado disfarçando a barriga sem cinta. O marido não veio por razões óbvias; não queria ver os irmãos. Mas mandara sua mulher para que nem todos os laços fossem cortados - e esta vinha com o seu melhor vestido para mostrar que não precisava de nenhum deles, acompanhada dos três filhos: duas meninas já de peito nascendo, infantilizadas de babados cor-de-rosa e anáguas engomadas, e o menino acovardado pelo terno novo e pela gravata. </b></div>
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<b> Tendo Zilda - a filha com quem a aniversariante morava - disposto cadeiras unidas ao longo das paredes, como numa festa em que se vai dançar, a nora de Olaria, depois de cumprimentar com cara fechada aos de casa, aboletou-se numa das cadeiras e emudeceu, a boca em bico, mantendo sua posição de ultrajada. "Vim para não deixar de vir", dissera ela a Zilda, e em seguida sentara-se ofendida. As duas mocinhas de cor-de-rosa e o menino, amarelos e de cabelo penteado, não sabiam bem que atitude tomar e ficaram de pé ao lado da mãe, impressionados com seu vestido azul-marinho e com "pailletés". </b></div>
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<b> Depois veio a nora de Ipanema com dois netos e a babá. O marido viria depois. E como Zilda - a única mulher entre os seis irmãos homens e a única que, estava decidido já havia anos, tinha espaço e tempo para alojar a aniversariante - e como Zilda estava na cozinha a ultimar com a empregada os croquetes e sanduíches, ficaram: a nora de Olaria empertigada com seus filhos de coração inquieto ao lado; a nora de Ipanema na fila oposta das cadeiras fingindo ocupar-se como bebê para não encarar a concunhada de Olaria; a babá ociosa e uniformizada, com a boca berta. </b></div>
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<b> E à cabeceira da mesa grande a aniversariante que fazia hoje oitenta e nove anos.</b></div>
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<b> Zilda, a dona da casa, arrumara a mesa cedo, enchera-a de guardanapos de papel colorido e copos de papelões alusivos à data, espalhara balões sungados pelo teto em alguns dos quais estava escrito "Happy Birthday", em outros "Feliz Aniversário". No centro havia disposto o enorme bolo açucarado.</b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Para adiantar o expediente, enfeitara a mesa logo depois do almoço, encostara as cadeiras à parede, mandara os meninos brincar no vizinho para não desarrumarem a mesa. </b></div>
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<b> E, para adiantar o expediente, vestira a aniversariante logo depois do almoço. Pusera-lhe desde então a presilha em torno do pescoço e o broche, borrifando-lhe um pouco de água de colônia para disfarçar aquele seu cheiro de guardado - sentara-a à mesa. E desde as duas horas a aniversariante estava sentada à cabeceira da longa mesa vazia, tesa na sala silenciosa. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> De vez em quando consciente dos guardanapos coloridos. Olhando curiosa em ou outro balão estremecer aos carros que passavam. E de vez em quando aquela angústia muda: quando acompanhava, fascinada e impotente, o voo da mosca em torno do bolo. </b></div>
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<b> Até que às quatro horas entrara a nora de Olaria e depois a de Ipanema. </b></div>
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<b> Quando a nora de Ipanema pensou que não suportaria nenhum segundo mais a situação de estar sentada defronte da concunhada de Olaria - que cheia das ofensas passadas não via um motivo para desfitar desafiadora a nora de Ipanema - entraram enfim José e a família. E mal eles se beijavam, a sala começou a ficar cheia de gente ruidosa se cumprimentando como se todos tivessem esperando embaixo o momento de, em afobação de atraso, subir os três lances de escada, falando, arrastando crianças surpreendidas, enchendo a sala - e inaugurando a festa. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Os músculos do rosto da aniversariante não a interpretavam mais, de modo que ninguém podia saber se ela estava alegre. Estava era posta à cabeceira. Tratava-se de uma velha grande, magra, imponente e morena. Parecia oca. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Oitenta e nove anos, sim senhor! disse José, filho mais velho, agora que Jonga tinha morrido. Oitenta e nove anos, sim senhora! disse esfregando as mãos em admiração pública e como sinal imperceptível para todos. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Todos se interromperam atentos e olharam a aniversariante de um modo mais oficial. Alguns abanaram a cabeça, em admiração como a um recorde. Cada ano vencido pela aniversariante era uma vaga etapa da família toda. Sim senhor! disseram alguns sorrindo timidamente. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Oitenta e nove anos!, ecoou Manuel que era sócio de José. É um brotinho!, disse espirituoso e nervoso, e todos riram menos sua esposa. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> A velha não se manifestava. </b></div>
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<b> Alguns não lhe haviam trazido presente nenhum. Outros trouxeram saboneteira, uma combinação de jérsei, um broche de fantasia, um vasinho de cactus - nada, nada que a dona da casa pudesse aproveitar para si mesma ou para seus filhos, nada que a própria aniversariante pudesse realmente aproveitar constituindo assim uma economia: a dona da casa guardava os presentes, amarga, irônica. </b></div>
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<b> - Oitenta e nove anos! repetiu Manuel aflito, olhando para a esposa. </b></div>
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<b> A velha não se manifestava. </b></div>
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<b> Então, como se todos tivessem tido a prova final de que não adiantava se esforçarem, com um levantar de ombros de quem estivesse junto de uma surda, continuaram a fazer a festa sozinhos, comendo os primeiros sanduíches de presunto mais como prova de animação que por apetite, brincando de que todos estavam morrendo de fome. O ponche foi servido, Zilda suava, nenhuma cunhada ajudou propriamente, a gordura quente do croquetes dava um cheiro de piquenique; e de costas para a aniversariante, que não podia comer frituras, eles riam inquietos. E Cordélia? Cordélia, a nora mais moça, sentada, sorrindo. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Não senhor! responde José com falsa severidade, hoje não se fala em negócios! </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Está certo, está certo! recuou Manuel depressa, olhando rapidamente para sua mulher que de longe estendia um ouvido atento. </b></div>
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<b> - Nada de negócios, gritou José, hoje é o dia da mãe! </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Na cabeceira da mesa já suja, os copos maculados, só o bolo inteiro - ela era a mãe. A aniversariante piscou os olhos. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> E quando a mesa estava imunda, as mães enervadas com o barulho que os filhos faziam, enquanto as avós se recostavam complacentes nas cadeiras, então fecharam a inútil luz do corredor para acender a vela do bolo, uma vela grande com um papelzinho colado onde estava escrito "89". Mas ninguém elogiou a ideia de Zilda, e ela se perguntou angustiada se eles não estariam pensando que fora por economia de velas - ninguém se lembrando de que ninguém havia contribuído com uma caixa de fósforos sequer para a comida da festa que ela, Zilda, serviu como uma escrava, os pés exaustos e o coração revoltado. Então acenderam a vela. E então José, o líder, cantou com muita força, entusiasmado com um olhar autoritário os mais hesitantes e surpreendidos, "vamos! todos de uma vez!" - e todos de repente começaram a cantar alto como soldados. Despertada pelas vozes, Cordélia olhos esbaforida. Como não haviam combinado, uns cantaram em português e outros em inglês. Tentaram então corrigir: e os que haviam cantado em inglês passaram a português, e os que haviam cantado em português passaram a cantar bem baixo em inglês. </b></div>
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<b> Enquanto cantavam, a aniversariante, à luz da vela acesa, meditava como junto de uma lareira. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Escolheram o bisneto menor que, debruçado no colo da mãe encorajadora, apagou a chama com um único sopro cheio de saliva! Por um instante bateram palmas à potência inesperada do menino que, espantado e exultante, olhava para todos encantado. A dona da casa esperava com o dedo pronto no comutador do corredor - e acendeu a lâmpada. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Viva mamãe! </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Viva vovó! </b></div>
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<b> - Viva d. Anita, disse a vizinha que tinha aparecido. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Happy Birthday! gritaram os netos, do Colégio Bennett. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Bateram ainda algumas palmas ralas. </b></div>
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<b> A aniversariante olhava o bolo apagado, grande e seco. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Parta o bolo, vovó! disse a mãe dos quatro filhos, é ela quem deve partir! assegurou incerta a todos, com as íntimo e intrigante. E, como todos aprovassem satisfeitos e curiosos, ela se tornou de repente impetuosa: parte o bolo vovó!</b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> E de súbito a velha pegou a faca. E sem hesitação, como se hesitando um momento eta toda caísse para frente, deu a primeira talhada com o punho de assassina. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Que força, segredou a nora de Ipanema, e não se sabia se estava escandalizada ou agradavelmente surpreendida. Estava um pouco horrorizada. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Há um ano atrás ela ainda era capaz de subir essas escadas com mais folego do que eu, disse Zilda amarga. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Dada a primeira talhada, como se a primeira pá de terra tivesse sido lançada, todos se aproximaram de prato na mão, insinuando-se em fingidas acotoveladas de animação, cada um para a sua pazinha. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Em breve as fatias eram distribuídas pelos pratinhos, num silêncio cheio de reboliço. As crianças pequenas, com a boca escondida pela mesa e os olhos ao nível desta, acompanhavam a distribuição com muda intensidade. As passas rolavam do bolo entre farelos secos. As crianças angustiadas viam se desperdiçarem as passas, acompanhavam atentas a queda. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Enquanto foram ver, não é que a aniversariante já estava devorando o seu último bocado?</b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> E por assim dizer a festa estava terminada. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Cordélia olhava ausente para todos, sorria. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Já lhe disse: hoje não se fala em negócios! respondeu José radiante. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Está certo, está certo! recolheu-se Manuel conciliador sem olhar a esposa que não o desfitava. Está certo, tentou Manuel sorrir e uma contração passou-lhe rápida pelos músculos d cara. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Hoje é dia da mãe! Disse José. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Na cabeceira da mesa, a toalha manchada de coca-cola, o bolo desabado, ela era a mãe. A aniversariante piscou. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Eles se mexiam agitados, rindo, a sua família. E ela era a mãe de todos. E se de repente não se ergueu, como um morto se levanta devagar e obriga mudez e terror aos vivos, a aniversariante ficou mais dura na cadeira, e mais alta. Ela era a mãe de todos. E como a presilha a sufocasse, ela era a mãe de todos e, impotente à cadeira, desprezava-os. E olhava-os piscando. Todos aqueles filhos e neto e bisneto que não passavam de carne de seu joelho, pensou de repente como se cuspisse. Rodrigo, o neto de sete anos, era o único a ser a carne de seu coração, Rodrigo, com aquela carinha dura, viril e despenteada. Cadê Rodrigo? Rodrigo com olhar sonolento e entumescido naquela cabecinha ardente, confusa. Aquele seria um homem. Mas piscando, ela olhava os outros, a aniversariante. Oh! o desprezo pela vida que falhava. Como?! Como tendo sido tão forte pudera dar à luz aqueles seres opacos, com braços moles e rostos ansiosos? Ela, a forte, que casara em hora e tempo devidos com um bom homem a quem, obediente e independente, ela respeitara; a quem respeitara e que lhe fizera filhos e lhe pagara os partos e lhe honrara os resguardos. O tronco fora bom. Mas dera aqueles azedos e infelizes frutos, sem capacidade sequer para uma boa alegria. Como pudera ela dar à luz aqueles seres risonhos, fracos, sem austeridade? O rancor roncava no seu peito vazio. Uns comunistas, era o que eram; uns comunistas. Olhou-os com sua cólera de velha . Pareciam ratos se acotovelando, a sua família. Incoercível, virou a cabeça e com força insuspeita cuspiu no chão. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Mamãe! gritou mortificada a dona da casa. Que é isso, mamãe! gritou ela passada de vergonha, e não queria sequer olhar os outros, sabia que os desgraçados se entreolhavam vitoriosos como se coubesse a ela dar educação à velha, e não faltaria muito para dizerem que ela já não dava mais banho na mãe,jamais compreenderiam o sacrifício que ela fazia. - Mamãe, que é isso! disse baixo, angustiada. A senhora nunca fez isso! acrescentou alto para que todos ouvissem, queria se agregar ao espanto dos outros, quando o galo cantar pela terceira vez renegarás tua mãe. Mas seu enorme vexame suavizou-se quando ela percebeu que eles abanavam a cabeça como se estivessem de acordo que a velha não passava agora de uma criança. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Ultimamente ela deu pra cuspir, terminou então confessando contrita para todos. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Todos olharam a aniversariante, compungidos, respeitosos, em silêncio. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Pareciam ratos se acotovelando, a sua família. Os meninos, embora crescidos - provavelmente já além dos cinqüenta anos, que sei eu! - os meninos ainda conservavam os traços bonitinhos. Mas que mulheres haviam escolhido! E que mulheres os netos - ainda mais fracos e mais azedos - haviam escolhido. Todas vaidosas e de pernas finas, com aqueles colares falsificados de mulher que na hora não aguenta a mão, aquelas mulherzinhas que casavam mal os filhos que não sabiam pôr uma criada em seu lugar, e todas elas com as orelhas cheias de brincos - nenhum, nenhum de ouro! A raiva a sufocava. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Me dá um copo de vinho! disse. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> O silêncio se fez de súbito, cada um com o copo imobilizado na mão. </b></div>
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<b> - Vovozinha, não vai lhe fazer mal? insinuou cautelosa a neta roliça e baixinha. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Que vovozinha que nada! explodiu amarga a aniversariante. Que o diabo vos carregue, corja de maricas, cornos e vagabundas! Me dá um copo de vinho, Dorothy! ordenou. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Dorothy não sabia o que fazer, olhou para todos em pedido cômico de socorro. Mas, com máscaras isentas e inapeláveis, de súbito nenhum rosto se manifestava. A festa interrompida, os sanduíches mordidos na mão, algum pedaço que estava na boca a sobrar seco, inchando tão fora de hora a bochecha. Todos tinham ficado cegos, surdos e mudos, com croquetes na mão. E olhavam impassíveis. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Desamparada, divertida, Dorothy deu o vinho: astuciosamente apenas dois dedos no copo. Inexpressivos, preparados, todos esperaram pela tempestade. </b></div>
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<b> Mas não só a aniversariante não explodiu com a miséria de vinho que Dorothy lhe dera como não mexeu no copo. </b></div>
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<b> Seu olhar estava fixo, silencioso. Como se nada tivesse acontecido. </b></div>
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<b> Todos se entreolharam polidos, sorrindo cegamente, abstratos como se um cachorro tivesse feito pipi na sala. Com estoicismo, recomeçaram as vozes e risadas. A nora de Olaria, que tivera o seu primeiro momento uníssono com os outros quando a tragédia vitoriosamente parecia prestes a se desencadear, teve que retornar sozinha à sua severidade, sem ao menos o apoio dos três filhos que agora se misturavam traidoramente com os outros. De sua cadeira reclusa, ela analisava crítica aqueles vestidos sem nenhum modelo, sem um drapeado, a mania que tinham de usar vestido preto com colar de pérola, o que não era moda coisa nenhuma, não passava era de economia. Examinando distante os sanduíches que quase não tinham levado manteiga. Ela não se servira de nada, de nada! Só comera uma coisa de cada, para experimentar. </b></div>
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<b> E por assim dizer, de novo a festa estava terminada. </b></div>
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<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjW_bQU1zS4v6AC1o2a9vM2p-AMkHyaUnuwfysy2_8fvnQ06tP46JP45EKzD1oYJcTECJ_HI6bKx5GCz1HrnaOL04E1AdtPty2hZHkQehphhs2GaACSYyVtv4Rid7U_RWnrkf1Ugv0rpqXG/s1600/cfgt.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjW_bQU1zS4v6AC1o2a9vM2p-AMkHyaUnuwfysy2_8fvnQ06tP46JP45EKzD1oYJcTECJ_HI6bKx5GCz1HrnaOL04E1AdtPty2hZHkQehphhs2GaACSYyVtv4Rid7U_RWnrkf1Ugv0rpqXG/s1600/cfgt.jpg" /></a></div>
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<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhVZa8ujJi0rgkqDB8kQxVn9HH1ZRkII26M7OUTwKYRd8pUXf0mxzaKdIyilm0J-qjB2y9aG6bZ6NiGpYQb530DLAtnXitvLgWik8aCLpT_2-FDrAe-qw1VlKwW9OCmS1SnCkeORpmRxfPN/s1600/clarice.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhVZa8ujJi0rgkqDB8kQxVn9HH1ZRkII26M7OUTwKYRd8pUXf0mxzaKdIyilm0J-qjB2y9aG6bZ6NiGpYQb530DLAtnXitvLgWik8aCLpT_2-FDrAe-qw1VlKwW9OCmS1SnCkeORpmRxfPN/s1600/clarice.jpg" /></a></div>
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<b> Clarice Lispector - Laços de Família. </b></div>
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Pesquisa e Postagem: Nicéas Romeo Zanchett </div>
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<b>LEIA TAMBÉM >>><a href="http://gotasdeliterturauniversal.blogspot.com.br/">GOTAS DE LITERATURA UNIVERSAL </a></b></div>
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<br />GOTAS DE CULTURAhttp://www.blogger.com/profile/05297345491578235021noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2315330605768890420.post-87914813349127783622013-06-27T11:44:00.000-07:002013-06-27T11:44:44.741-07:00UM HOMEM DE CONSCIÊNCIA - por Monteiro Lobato <div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhossF4MN6Y0Pqgw4uzzM4G0RjaEkY4QWsw41hFKx7WUsNQ8uHOuinju9FK2Pj79tbawSCVGEyZ4jNpsDyj93cD2ubVDg9kgR196tXBUZ9ugddMF3b9IIq6quq6qnheDX1U7pPDZe5g02Zu/s400/UM-HOMEM-DE-CONSCIENCIA.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="288" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhossF4MN6Y0Pqgw4uzzM4G0RjaEkY4QWsw41hFKx7WUsNQ8uHOuinju9FK2Pj79tbawSCVGEyZ4jNpsDyj93cD2ubVDg9kgR196tXBUZ9ugddMF3b9IIq6quq6qnheDX1U7pPDZe5g02Zu/s320/UM-HOMEM-DE-CONSCIENCIA.jpg" width="320" /></a></div>
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<b>HUM HOMEM DE CONSCIÊNCIA </b></div>
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<b>de Cidades Mortas </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<b>Por Monteiro Lobato</b></div>
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<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Chamava-se João Teodoro, só. O mais pacato dos homens. Honestíssimo e lealíssimo, com um defeito apenas: não dar o mínimo valor a si próprio. Para João Teodoro, a coisa de menos importância no mundo era João Teodoro. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Nunca fora nada na vida, nem admitia a hipótese de vir a ser alguma coisa. E por muito tempo não quis sequer o que todos ali queriam; mudar-se para terra melhor. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Mas João Teodoro acompanhava com aperto de coração o desaparecimento visível de sua Itaoca. - Isto já foi muito melhor, dizia consigo. Já teve médicos bem bons - agora só um e bem ruinzinho. Já teve seis advogados e hoje mal dá serviço para rábula ordinário como Teodoro. Nem circo de cavalinhos bate mais por aqui. A gente que precisa se mudá. Fica o restolho. Decididamente, a minha Itaóca está se acabando...</b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> João Teodoro entrou a incubar a ideia de também mudar-se, mas para isso necessitava dum fato qualquer que o convencesse de maneira absoluta de que Itaóca não tinha mesmo conserto ou arranjo possível. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - É isso, deliberou lá por dentro. Quando eu verificar que tudo está perdido, que Itaóca não vale mais nada de nada, então arrumo a trouxa e boto-me fora daqui. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Um dia aconteceu a grande novidade: a nomeação de João Teodoro para delegado. Nosso homem recebeu a notícia como se fosse uma porretada no crânio. Delegado, ele! Ele que não era nada, nunca fora nada, não queria ser nada, não se julgava capaz de nada... </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Ser delegado numa cidadinha daquelas é coisa raríssima. Não há cargo mais importante. É o homem que prende os outros, que solta, que manda dar sovas, que vai à capital falar com o governo. Uma coisa colossal ser delegado - e estava ele, João Teodoro, de-le-ga-do de Itaóca!... </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> João Teodoro caiu em meditação profunda. Passou a noite em claro, pensando e arrumando as malas. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Pela madrugada botou-as num burro, montou no seu cavalinho magro e partiu.</b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Antes de deixar a cidade foi visto por uma amigo madru</b><b>gador.</b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Que é isso, João? Para onde se atira tão cedo, assim de armas e bagagens? </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Vou-me embora, respondeu o retirante. Verifiquei que Itaóca chegou mesmo ao fim. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Mas, como? Agora que você está delegado? </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Justamente por isso. Terra em que João Teodoro chega a delegado, eu não moro. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Adeus. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> E sumiu. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> </b></div>
<br />GOTAS DE CULTURAhttp://www.blogger.com/profile/05297345491578235021noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2315330605768890420.post-76351970452170142442013-06-17T12:59:00.002-07:002013-06-17T12:59:30.418-07:00A ÁRVORE QUE CANTA - Por Coelho Netto <div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjRGM8WzCe0TwgO_7JU7Aly158UhypceE9Zgg3E2enlr47kHdAkw7ctZW_ciTN5Rmwqf_TBpsydA_r_B5TdeKYxyFk4TJh4Wio7BXLLzTr9DUEqCjxei_EfYdPMkhDNMDxLYcSRot89cbZT/s1600/imagesCAZW2JC5.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjRGM8WzCe0TwgO_7JU7Aly158UhypceE9Zgg3E2enlr47kHdAkw7ctZW_ciTN5Rmwqf_TBpsydA_r_B5TdeKYxyFk4TJh4Wio7BXLLzTr9DUEqCjxei_EfYdPMkhDNMDxLYcSRot89cbZT/s1600/imagesCAZW2JC5.jpg" /></a></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
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<b>A ÁRVORE QUE CANTA</b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<b>Por Coelho Netto </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<b>.</b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Certa manhã o rei, que prometera a mão da princesa a quem conseguisse chegar ao reino das fadas, foi avisado de que certo mancebo desejava falar-lhe para referir episódios maravilhosos da viagem que empreendera ao país encantado, onde mortal algum jamais chegara. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> O rei ficou em alvoroçada curiosidade e todos os áulicos agitaram-se com a noticia, sendo imediatamente despachada ordem para que o mancebo fosse introduzido na sala do trono, onde o monarca o esperava entre nobres da sua corte. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> A princesa não desviava os lindos olhos da porta por onde devia entrar o ousado moço que, por seu amor, arriscara a vida entre gnomos e dragões, que tais eram os guardas das sete portas de bronze da capital do reino das fadas, e sorriu alegremente comovida, com duas rosas vivas nas faces, vendo aparecer o herói, que era jovem, formoso e gentil. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Inclinando-se graciosamente diante do rei e daquela que seria sua, se as provas confirmassem o que alegara, pôs-se a narrar a sua viagem, longa e penosa, por entre penhascos, através de campinas eriçadas de espinheiros, cheia de episódios interessantes, aos quais nem faltaram combates que teve de travar com anões que surgiram, aos milhares, das moitas de violetas, com um sonho impertinente que era a voz das suas tubas, enristando espinhos, que eram as suas lanças. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Descreveu os imensos e alfombrados jardins, as fulgurantes montanhas de cristal, os vastos palácios de jaspe e ônix, sustentados por fortes colunas de pórfiro e ladrilhados a ágatas e topázios.</b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Falou dos gigantes, altos como torres, que guardavam rebanhos de carneiros de velo de seda lustrosa e chavelhos de ouro; falou das formosas mulheres, que tanta vez admirara nos prados floridos, banhando-se nas manhãs ribeiras coalhadas de nenúfares, adereçando ginetes mais alvos do que a neve ou remontando-se, em carros prefulgentes que eram puxados por águias brancas. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Todos ouviam-no interessados e, ao cabo da narração, como o rei pedisse uma prova, porque não bastavam palavras, mostrou o moço uma romam de ouro, cujas bagas era preciosos rubis, dizendo have-la colhido no pomar do palácio da rainha das fadas. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> O rei e a princesa admiraram o formoso fruto quando um dos cortesões, homem invejoso e que também pretendia a mão da donzela real, adiantou-se dizendo: </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - O fruto é lindo, senhor, mas bem pode ter saído da oficina de algum ourives. Se veio de galho de árvore outros iguais tenho visto em montras e joalheiros. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Todos os cortesões concordaram com o fidalgo, mas o rei, que simpatizara com o mancebo, pediu-lhe outra prova do que dissera. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Senhor, disse o jovem, tenho comigo o bastante para convencer, não só a V. Majestade, como a todos os nobres da côrte. E, fitando os olhos no invejoso, perguntou: </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - No vosso andar pelo mundo já vistes, por acaso, alguma árvore que cantasse, desferindo acentos tão suaves como os desfere a mais afinada garganta? </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Confesso que ainda não vi, não pôde deixar de responder o odioso fidalgo. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> E todos entreolharam-se com visíveis sinais de dúvida, alguns sorriram, tomando, talvez, por louco ao moço pretendente. Ele, porém, tirando do bolso de sua veste uma semente, apresentou-a ao rei dizendo: </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Senhor, foi no parque da rainha das fadas que vi e ouvi a árvore que canta. Era linda a noite; de luar e animada pelos silfos luminosos, pequenos como lavandiscas, que iam duma a outra flor. Uns sentavam-se nas pétalas, outros escondiam-se nas corolas, rindo. Eu caminhava quando ouvi o canto delicioso. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Julguei, a princípio, que era uma das fadas que desafiava os rouxinóis, mas um elfo esvoaçou sussurrando a uma pequena sílfide: "É a árvore que canta." E eu, seguindo-lhe o voo, cheguei ao sítio onde ficava a árvore e, toda a noite, deliciado, deixei-me estar a ouvi-la, até que a manhã rompeu e a árvore se calou. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Trago comigo uma semente da árvore que canta. plantai-a no vosso parque e, antes de uma semana, tereis a árvore frondosa, provando, com seus gorjeios, a verdade do que vos disse. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Aceitou o rei a proposta. mas o invejoso fidalgo, que só pensava em desfazer-se do rival, que tão depressa conquistara as graças da princesa, disse severamente: </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Senhor: é justo que se faça a experiência, mas, para que se não diga que fostes vitima de um embusteiro, que se lhe dê um prazo improrrogável ao fim do qual lhe caiba o prêmio ou seja punido como merece ser todo aquele que mente ao seu rei. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Dou-lhe um mês, disse o soberano.</b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Dois, delongou a princesa. Mas o mancebo replicou: </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Basta-me uma semana, nem mais um dia requeiro. Se ao fim do prazo, não se houver realizado o que eu disse, que o carrasco me venha buscar na prisão em que devo ficar. E, assim dizendo, entregou ao rei a semente preciosa. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Planta-a tu mesmo, disse o monarca ao invejoso. Planta-a no parque, perto das janelas dos meus aposentos, para que eu seja o primeiro a ouvir-lhe o canto. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> E o mancebo, que se sujeitara à condição, desceu, entre guardas, para a prisão do palácio. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> De posse da semente maravilhosa, o cortesão perverso desceu ao parque com toda a côrte e, enquanto o jardineiro abria a cova, pode, sorrateiramente, substituir a semente por um seixo que foi logo coberto sem que os do grupo dessem pela troca e, certo da vitória, voltou-se radiante, dizendo:</b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Dentro de uma semana teremos uma árvore a cantar, se a não tivermos lá fora, ao sol, balançando um corpo no seu galho seco. Referia-se à força em que deveria ser justiçado o seu formoso rival. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Recolhendo ao seu palácio, desceu ao subterrâneo e lá, bem no fundo, cavando um fosso, deixou ficar a semente, cobrindo-a com terra e pedregulhos para que não vingasse e, tranquilo - porque tinha por inevitável a morte do mancebo - subiu, dizendo que fora à adega escolher um vinho precioso para oferecer ao rei no dia do seu próximo aniversário. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Todas as manhãs a princesa, muito interessada na vitória do mancebo e também curiosa de ouvir o canto da árvore, abria a janela e, nada ouvindo, descia ao parque e ia examinar o sítio em que fora plantada a semente. Nada! E a princesa chorava pesarosa, lamentando que tão corajoso moço acabasse na forca por seu amor. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Os cortesões sorriam. O próprio rei, impaciente, não ocultava o seu despeito, louvando a sutileza do fidalgo que o ia vingar exemplarmente da mistificação do embusteiro. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Que morra! bradava enfurecido. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> E os dias se passavam. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Na véspera de findar o prazo foram á prisão e acharam o moço dormindo tão tranquilamente que os próprios guardas tiveram pena de despertá-lo. Mas o fidalgo, para gozar a sua crueldade, chamou-o: </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Eh! amigo, expira amanhã o prazo que pediste e da árvore não há sinal na terra do parque. Andam operários na praça a levantar a forca em que, ao romper da alva, se fará justiça ao teu procedimento vil. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Os olhos do mancebo relampejaram de ódio. Logo, porém, contendo-se, respondeu serenamente ao fidalgo: </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Se a semente foi plantada, a árvore cantará antes da minha morte. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> E, de novo, deitou-se nas palhas do cárcere. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Ao alvorecer do dia fatal, as trombetas soaram chamando os burgueses à grande praça onde fora levantada a forca. A tropa estendia-se em duas alas, desde o palácio real até ao sítio do suplício. As janelas ficaram apinhadas de curiosos e era tão grande a aglomeração nas ruas que iam ter à praça, que os soldados dificilmente mantinham as posições, sendo, às vezes, forçados a repelir a turba com violência para contê-la a distância, deixando livre a passagem por onde devia transitar o sinistro cortejo. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> O palácio do invejoso dava a frente para a praça, fronteiro ao paço em cujo balcão o rei e a princesa, cercados de camaristas e damas, esperavam o condenado. Ao clangor das tubas, o povo ondulou, apertando-se mais e mais, e logo apareceu a carreta em que vinha o mancebo, de alva, manietado, entre soldados que empunhavam lanças. Um esquadrão de cavalaria acompanhava o trágico veículo. Justamente quando chegava à forca, o mancebo estremeceu e, no silêncio comovido que se fizera, ouviram todos uma voz suavíssima, cantando. O condenado sorriu e, erguendo os olhos para o balcão real disse: </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Senhor, é a árvore que canta, Escutai-a. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> E todos, extasiados, procuravam a direção do canto. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> O fidalgo, pouco antes alegre w triunfante, empalidecia à janela do seu palácio, e a voz, cada vez mais meiga, soava docemente. De repente alguém disse na multidão, apontando o palácio do invejoso: </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - É dali que vem o canto!</b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> E a turba imensa avançou contra o palácio, aos brados; mas as portas, que eram de bronze, resistiram ao choque. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> O rei, então, que começava a suspeitar do fidalgo, desceu à praça e entre os seus arqueiros, intimou o vassalo a abrir-lhe as portas. O miserável obedeceu, recebendo o monarca no vestíbulo, zumbrido, com um suor gelado a escorrer-lhe a fronte. E a voz, cada vez mais suave, encantava com a sua melodia. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Quem canta no teu palácio? perguntou o rei serenamente. Dize a verdade se não queres que os meus arqueiros te levem arrastado ao patíbulo que fizeste levantar na praça. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Senhor, é a árvore que canta. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Onde a plantaste? </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - No subterrâneo do palácio.</b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Leva-me quero vê-la. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Caminhando humilde, o fidalgo desceu à cave tenebrosa e úmida, precedendo o rei a a sua comitiva, e lá estava a árvore frondosa, verde, florida e cantando. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - E que plantaste no parque real? </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Um seixo, senhor. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> E sem achar palavras para defender-se, o vilíssimo homem prostrou-se aos pés do rei, pedindo apenas a vida.</b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> O soberano desprezou-o e, subindo em passos ligeiros, atravessou a praça, ordenando que conduzissem à sua presença o moço condenado. A princesa exultava e maior foi a sua alegria quando, ao aparecer o moço, o rei o levou ao balcão, apresentando-o ao povo como - o prometido noivo de sua filha. Estrugiram aclamações e, se não fosse a soldadesca, o palácio do invejoso teria sido varejado pela multidão indignada. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> E a árvore cantava docemente e o seu canto vencia o vozear da turba. Bem dissera o moço: "Se a semente foi plantada, a árvore cantará antes da minha morte." </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> A verdade é como a semente da árvore que cantava; traiam-na com os sofismas, abafem-na da luz, que ela rebentará fulgurante, dando a vitória à justiça e confundindo o traidor. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> BREVE BIOGRAFIA </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Henrique Coelho Netto, escritor e romancista brasileiro, nasceu em Caxias, Maranhão, em 1864. Pertenceu á Academia Brasileira de Letras. A sua obra muito extensa, compreende mais de sessenta trabalhos, entre romances, novelas, contos e obras de teatro. Foi professor no Ginásio do Rio de Janeiro. Escreveu: "Rapsódias", Contos; "A Capital Federal", romance; "praga", novela; "Baladilhas", contos; "Inverno em Flor", romance; "O Morto", romance; "A Descoberta da Índia", narrativa histórica, etc. </b></div>
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<b>Nicéas Romeo Zanchett </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b>.</b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b>LEIA TAMBÉM > <a href="http://gotasdeliteraturauniversal.blogspot.com.br/">GOTAS DE LITERATURA UNIVERSAL </a></b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b><br /></b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> </b></div>
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<b> </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<br />GOTAS DE CULTURAhttp://www.blogger.com/profile/05297345491578235021noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2315330605768890420.post-63079423219284974292013-05-21T12:52:00.001-07:002013-05-21T12:52:29.586-07:00UMA GALINHA - Por Clarice Lispector<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjRxeOtJsY8GnEbFMHvBRRj8XQdqgG5HEuAvjXPeNcdy-oCLtFoE9cyQReRZakJDaCC89_3bgtk5LPJndxdpJ7sPZIAfuSx1pY6pjIqbNRzGkREYYFcDXMtOUT56sBggIuglGVpGcTQ-1Cl/s1600/cfj.bmp" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="283" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjRxeOtJsY8GnEbFMHvBRRj8XQdqgG5HEuAvjXPeNcdy-oCLtFoE9cyQReRZakJDaCC89_3bgtk5LPJndxdpJ7sPZIAfuSx1pY6pjIqbNRzGkREYYFcDXMtOUT56sBggIuglGVpGcTQ-1Cl/s320/cfj.bmp" width="320" /></a></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<b>UMA GALINHA </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<b>Por Clarice Lispector</b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Era uma galinha de domingo. Ainda vivia porque não passava de nove horas da manhã. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Parecia calma. Desde sábado encolhera-se num canto da cozinha. Não olhava para ninguém, ninguém olhava para ela. Mesmo quando a escolheram, apalpando sua intimidade com indiferença, não souberam dizer se era gorda ou magra. Nunca se adivinharia nela um anseio.</b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Foi pois uma surpresa quando a viram abrir as asas de curto voo, inchar o peito e, em dois ou três lances, alcançar a murada do terraço. Um instante ainda vacilou - o tempo da cozinheira da um grito - e em breve estava no terraço do vizinho, de onde, em outro voo desajeitado, alcançou o telhado. Lá ficou em adorno deslocado, hesitando ora num, ora noutro pé. A família foi chamada com urgência e consternada viu o almoço junto de um chaminé. O dono da casa, lembrando-se da dupla necessidade de fazer esporadicamente algum esporte e de de almoçar, vestiu radiante um calção de banho e resolveu seguir o itinerário da galinha: em pulos cautelosos alcançou o telhado onde esta, hesitante e trêmula, escolhia com urgência outro rumo. À perseguição tornou-se mais intensa. De telhado e telhado foi percorrido mais de um quarteirão da rua. Pouco afeita a uma luta mais selvagem pela vida, a galinha tinha que decidir por si mesma os caminhos a tomar, sem nenhum auxílio de sua raça. O rapaz, porém, era um caçador adormecido. E por mais ínfima que fosse a presa o grito da conquista havia soado. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Sozinha no mundo, sem pai nem mãe, ela corria, arfava, muda, concentrada. Às vezes, na fuga, pairava ofegante num beiral de telhado e enquanto o rapaz galgava outros com dificuldade tinha tempo de se refazer por um momento. E então parecia tão livre. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Estúpida, tímida e livre. Não vitoriosa como seria um galo em fuga. Que é que havia nas suas vísceras que fazia dela um ser? A galinha é um ser. Nem ela própria contava consigo, como o galo crê na sua crista. Sua única vantagem é que havia tantas galinhas que morrendo uma surgiria no mesmo instante outra tão igual como se fora a mesma. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Afinal, numa das vezes em que parou para gozar sua fuga, o rapaz alcançou-a. Entre gritos e penas, ela foi presa. Em seguida carregada em triunfo por uma asa através das telhas e pousada no chão da cozinha com certa violência. Ainda tonta, sacudiu-se um pouco, em cacarejos roucos e indecisos. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Foi então que aconteceu. De pura afobação a galinha pôs um ovo. Surpreendida, exausta. Talvez fosse prematuro. Mas logo depois, nascida que fora para a maternidade, pareci uma velha mãe habituada. Sentou-se sobre o ovo e assim ficou, respirando, abotoando e desabotoando os olhos. Seu coração, tão pequeno num prato, solevava e abaixava as penas, enchendo de tepidez aquilo que nunca passaria de um ovo. Só a menina estava perto e assistiu tudo estarrecida. Mal porém conseguiu desvencilhar-se do acontecimento, despregou-se do chão e saiu aos gritos: - Mamãe, mamãe, não mate mais a galinha, ela pôs um ovo! ela quer o nosso bem! </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Todos correram de novo à cozinha e rodearam mudos a jovem parturiente. Esquentando seu filho, esta não era nem suave nem arisca, nem alegre nem triste, não era nada, era uma galinha. O que não sugeria sentimento especial. O pai, a mãe e a filha olhavam já há algum tempo, sem propriamente um pensamento qualquer. Nuca ninguém acariciou uma cabeça de galinha. O pai afinal decidiu-se com certa brusquidão: </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Se você mandar matar esta galinha nunca mais comerei galinha na minha vida.</b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> - Eu também! jurou a menina com ardor. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> A mãe, cansada, deu de ombros. </b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<b> Inconsciente da vida que lhe fora entregue, a galinha passou a morar com a família. A menina, de volta do colégio, jogava a pasta longe sem interromper a corrida para a cozinha. O pai de vez em quando ainda se lembrava. "E dizer que a obriguei a correr naquele estado!" A galinha tornara-se a rainha da casa. Todos, menos ela, o sabiam. Continuou entre a cozinha e o terraço dos fundos, usando suas duas capacidades: a de apatia e a de sobressalto. </b></div>
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<b> Mas quando todos estavam quietos na casa e pareciam tê-la esquecido, enchia-se de uma pequena coragem, resquícios da grande fuga - e circulava pelo ladrilho, o corpo avançando atrás da cabeça, pausando como um campo, embora a pequena cabeça a traísse: mexendo-se rápida e vibrátil, com o velho susto de sua espécie já mecanizado. </b></div>
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<b> Uma vez ou outra, sempre mais raramente, lembrava de novo que se recortara contra o ar à beira do telhado, prestes a anuncia. Nesses momentos enchia os pulmões com o ar impuro da cozinha e, se fosse dado às fêmeas cantar, ela não cantaria mas, ficaria muito mais contente. Embora nem nesses instantes a expressão de sua vaza cabeça se alterasse. Na fuga,no descanso, quando deu à luz ou bicando milho - era uma cabeça de galinha, a mesma que fora desenhada no começo dos séculos. </b></div>
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<b> Até que um dia mataram-na, comeram-na e passaram-se anos. </b></div>
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<b>OBSERVAÇÕES:</b></div>
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A bela construção das frases é o que mais fascina e fixa o leitor nos textos da Clarice. A galinha, protagonizadora central, é apenas a aparência de galinha; funciona como uma reflexão ou refração da psicologia das pessoas que a circundam; com sua arte a autora desloca o o eixo da atenção para o animal, mas seu objetivo é detectar uma reação vivencial em face de uma situação corriqueira. É o fruto da genialidade de Clarice Lispector que, com a odisseia patética de uma simples galinha condenada a morte é projetada a uma espécie de rainha da casa. Com isso a autora nos leva a penetrar mais um pouco no grande mistério da própria existência humana. Nessa condição o pequeno animal simbolizaria o homem à mercê de seu semelhante, do tempo e da morte inevitável. </div>
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Nicéas Romeo Zanchett </div>
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BREVE BIOGRAFIA:</div>
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Clarice Lispector nasceu na Ucrânia - cidade de Tchetchelnik em 10 de Desembro de 1925. Seus pais imigraram para o brasil quando ela estava com apenas dois meses de idade. No Recife, curça o primário e o secundário. Transferindo-se para o Rio de janeiro, ingressa na Faculdade de Direito. Forma-se em 1944, ano em que publica o primeiro livro, "Perto do Coração Selvagem", que fora muito aplaudido pela crítica. Nessa mesma época, casa-se com um diplomata e, em razão dos compromissos do marido, afasta-se do país durante longos períodos (entre 1945 e 1949) e também (entre 1952 e 1960), mas nunca deixou de dedicar-se à Literatura, produzindo livro apos livro. Tem publicados os seguintes romances: "O Lustre (1946), "A Cidade Sitiada (1949), "A maçã no Escuro" (1961), "A Paixão segundo G.H. (1964), Uma Aprendizagem ou O Livro dos prazeres (1969); livros de contos: "Alguns Contos" (1952), "Laços de Família" (1960), "A Legião Estrangeira" (1964); e também literatura infantil. </div>
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Nicéas Romeo Zanchett </div>
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<a href="http://artesplasticasliteraturaefilosofia.blogspot.com.br/">ARTES PLÁSTICAS LITERATURA E FILOSOFIA</a> < acesse pelo link.</div>
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<b> </b></div>
<br />GOTAS DE CULTURAhttp://www.blogger.com/profile/05297345491578235021noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2315330605768890420.post-2224340268064791572012-12-29T00:17:00.001-08:002012-12-29T00:17:56.359-08:00GOTAS DE CULTURA UNIVERSAL: AMOR E ÓDIO<a href="http://gotasdeculturauniversal.blogspot.com/2012/12/amor-e-odio.html?spref=bl">GOTAS DE CULTURA UNIVERSAL: AMOR E ÓDIO</a>: AMOR E ÓDIO Amor e ódio são sentimentos tão intensos que podem até matar. Como Nelsom Mandela, ...GOTAS DE CULTURAhttp://www.blogger.com/profile/05297345491578235021noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2315330605768890420.post-8392045388235090882011-04-21T06:53:00.000-07:002013-05-21T12:53:20.442-07:00O ENFERMO - Machado de Assis.<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhb4FNVhsBwn3vYPPJ66nQwUHZ_sny66XSa3RteG3c3UPIEDecByb4BH3BFgopIIGCFJ7jugKkEPdIYIe_bLk8svIh86zCuM06JphWYYrQkIfrVWOgpfPBREm9np92Wctsq7WVsOzgf6dTJ/s1600/Machado+de+assis.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhb4FNVhsBwn3vYPPJ66nQwUHZ_sny66XSa3RteG3c3UPIEDecByb4BH3BFgopIIGCFJ7jugKkEPdIYIe_bLk8svIh86zCuM06JphWYYrQkIfrVWOgpfPBREm9np92Wctsq7WVsOzgf6dTJ/s1600/Machado+de+assis.jpg" /></a></div>
<b> O ENFERMO - de Machado de Assis. - </b><br />
<b> Memórias Póstumas de Brás Cubas</b><br />
<b>Virgília se desfazia toda em afagos ao velho parente. Ela ia recebê-lo à porta, falando e rindo, tirava-lhe o chapeu e a bengala, dava-lhe o braço e levava-o a uma cadeira, ou à cadeira, porque lá havia a "cadeira do Viegas", obra especial, conchegada, feita para gente enferma ou anciã. Ia fechar a janela próxima, se havia alguma brisa, ou abri-la, se estava calor, mas com cuidado, combinando de modo que lhe não desse um golpe de ar. </b><br />
<b>- Então? hoje está mais fortezinho...</b><br />
<b>- Qual! Passei mal a noite; o diabo da asma não me deixa. </b><br />
<b>E bufava o homem repousando a pouco e pouco do consaço da estrada e da subida, não do caminho porque ia sempre de sege -(charrete). Ao lado, um pouco mais para a frente, sentava-se Virgília, numa banquinha, com as mãos nos joelhos do enfermo. Entretanto, o nhonhô chegava à sala, sem os pulos de costume, mas discreto, meigo, sério. Viegas gostava muito dele. </b><br />
<b>- Vem cá, nhonhô, dizia-lhe; e a custo introduzia a mão na ampla algibeira, tirava uma caixinha de pastilhas, metia uma na boca e dava outra ao pequeno. Pastilhas antiasmáticas. O pequeno diza que eram muito boas. </b><br />
<b>Repetia-se isto, com variantes. Como o Viegas gostasse de jogar damas, Virgília compria-lhe o desejo, aturando-o por largo tempo, a mover as pedras com a mão frouxa e tardia. Outras vezes, desciam a passear na chácara, dando-lhe ela o braço, que ele nem sempre aceitava, por dizer-se rijo e capaz de andar uma légua. Iam, sentavam-se, tornavam a ir, a falar de coisas várias, ora de um negócio de família, ora de uma bisbilhotice de sala, ora enfim de uma casa que ele meditava construir, para residência própria, casa de feitio moderno, porque a dele era das antigas, contemporânea de el-rei Dom João VI, à maneira de algumas que ainda hoje (creio eu) se podem ver no bairro de São Cristóvão, com as suas grossas colunas na frente. Parecia-lhe que o casarão em que morava podia ser substituido, e já tinha encomendado o risco a um pedreiro de fama. Ah! então sim, então é que Virgília chegaria a ver o que era um velho de gosto. </b><br />
<b>Falava, como se pode supor, lentamente e a custo, intervalo de uma arfagem incômoda para ele e para os outros.</b><br />
<b>(Memórias Póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis).</b><br />
<b>Pesquisa e postagem > Nicéas Romeo Zanchett </b><br />
<b><a href="http://gotasdeculturauniversal.blogspot.com/">http://gotasdeculturauniversal.blogspot.com/</a></b>GOTAS DE CULTURAhttp://www.blogger.com/profile/05297345491578235021noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2315330605768890420.post-48589411388516186192011-04-13T11:44:00.000-07:002011-04-13T11:47:04.424-07:00CAÇADA - José de Alencar<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEirZnXMsMzHj4AN-09fXiNSopgnTLZS452Cji01eEopr2E_pfNizXs77ZYhezHCZm1WYPeHISliKyY5Yvs1RK8Ac6Fi8vOwZwNiJOsnPuhztHVolox9O3P7MLpx-2lB8c2mKQQjmhHVv_l4/s1600/j.alenc.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" r6="true" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEirZnXMsMzHj4AN-09fXiNSopgnTLZS452Cji01eEopr2E_pfNizXs77ZYhezHCZm1WYPeHISliKyY5Yvs1RK8Ac6Fi8vOwZwNiJOsnPuhztHVolox9O3P7MLpx-2lB8c2mKQQjmhHVv_l4/s1600/j.alenc.jpg" /></a></div><strong> CAÇADA - De O GUARANI- José de Alencar</strong><br />
<strong>Em pé, no meio do espaço que formava a grande abóbada de árvores, encostado a um velho tronco decepado pelo raio, via-se um índio na flor da idade. </strong><br />
<strong>Uma simples túnica de algodão, a que os indígenas chamavam "aimará", apertada à cintura por uma faixa de penas escarlates, caía-lhe dos ombros até ao meio da perna, e desenhava o talhe delgado e esbelto como um junco selvagem. </strong><br />
<strong>Sobre a alvura diáfana do algodão, a sua pele, côr de cobre, brilhava com reflexos dourados; os cabelos prêtos cortados rentes, a tez lisa, os olhos grandes com os cantos exteriores erguidos para a fronte; a pupila negra, móbil, cintilante; a boca forte mas bem modelada e guarnecida de dentes alvos, davam ao rosto pouco oval a beleza inculta da graça, da fôrça e da inteligência. </strong><br />
<strong>Tinha a cabeça cingida por uma fita de couro, à qual se prendiam ao lado esquerdo duas plumas matizadas, que, descrevendo uma longa espiral, vinham roçar com as pontas negras o pescoço flexível. </strong><br />
<strong>Era de alta estatura; tinha as mãos dilicadas; a perna ágil e ervosa, ornada com uma axorca de frutos amarelos, apoiava-se sôbre um pé pequeno, mas firme no andar e veloz na corrida. Segurava o arco e a flexa com amão direita caída, e com a esquerda mantinha verticalmente diante de si um longo forcado de pau enegrecido pelofogo. </strong><br />
<strong>Ali, por entre a folhagem, distingüiam-se as ondulações felinas de um dorso negro, brilhante, marchetado de pardo; às vêzes viam-se brilhar na sombra dois raios vítreos e pálidos, que semelhavam os reflexos de alguma cristalização de rocha, ferida pela luz do sol. </strong><br />
<strong>Era uma onça enorme; de garras apoiadas sôbre um grosso ramo de árvore, e pés suspensos no galho superior, encolhia o corpo, preparando o salto gigantesco. </strong><br />
<strong>Batia os flancos com a larga cauda, e movia a cabeça monstruosa, como procurando uma aberta entre a folhagem para arremessar o pulo; uma espécie de riso sardônico e feroz contraía-lhe as negras mandíbulas, e mostrava a linha de dentes amarelos; as ventas dilatadas aspiravam fortemente e pareciam deleitar-se já com o odor de sangue da vítima. </strong><br />
<strong>O índio, sorrindo e molemente encostado ao tronco sêco, não perdia um só desses movimentos, e esperava o inimígo com a calma e serenidade do homem que contempla uma cena agradável: apenas a fixidade do olhar revelava um pensamento de defesa. </strong><br />
<strong>Assim, durante um curto instante, a fera e o selvagem mediram-se mutuamente, com os olhos nos olhos um do outro; depois o tigre agachou-se, e ia formar o salto, quando a cavalgata apareceu na estrada da clareira. </strong><br />
<strong>Então o animal, lançando ao redor um olhar injetado de sangue, eriçou o pêlo, e ficou imóvel no mesmo lugar, hesitando se devia arriscar o ataque. </strong><br />
<strong>O índio, que ao movimento da onça acurvara ligeiramente os joelhos e apertara o forcado, endireitou-se de nôvo; sem deixar a sua posição, nem tirar os olhos do animal, viu a banda que parara à sua direita. </strong><br />
<strong>Estendeu o braço e fêz com a mão um gesto de rei, que rei das florestas ele era, intimando aos cavaleiros que continuassem a sua marcha. </strong><br />
<strong>Como, porém o italiano, com o arcabuz em face, procurasse fazer a pontaria entre as fôlhas, o índio bateu com o pé no chão em sinal de impaciência, e exclamou apontando para o tigre, e levando a mão ao peito:</strong><br />
<strong>- É meu!...meu só!</strong><br />
<strong>Estas palavras foram ditas em português com uma pronúncia doce e sonora, mas em tom de energia e resolução. </strong><br />
<strong>O italiano riu. </strong><br />
<strong>- Por Deus! Eis um direito original! Não quereis que se ofenda a vossa amiga? ... Está bem, dom cacique, continuou, lançando o arcabuz a tiracolo, ela vo-lo agradecerá. </strong><br />
<strong>Em resposta a esta ameaça, o índio empurrou desdenhosamente com a ponta do pé a clavina que estava atirada ao chão, para exprimir que, se ele o quisesse, já teria abatido o tigre de um tiro. </strong><br />
<strong>Os cavaleiros compreenderam o gesto, porque, além da precaução necessária para o caso de algum ataque direto, não fizeram a menor demostração ofenciva. </strong><br />
<strong>Tudo isso se passou rapidamente, em um segundo, sem que o índio deixasse um só instante com os olhos o inimigo. </strong><br />
<strong>A um sinal de Álvaro Sá, os cavaleiros prosseguiram a marcha, e entranharam-se de novo na floresta. </strong><br />
<strong>O tigre, que observava os cavaleiros, imóvel, com o pêlo eriçado, não ousava investir nem retirar-se temendo expor-se aos tiros dos arcabuzes; mas apenas viu a tropa distanciar-se e sumir-se no fundo da mata, soltou um novo rugido de alegria e contentamento. </strong><br />
<strong>Ouviu-se um rumor de galhos que se espedaçavam como uma árvore houvesse tombado na floresta, e o vulto negro da fera passou no ar; de um pulo tinha ganho outro tronco e metido entre ela e seu adversário uma distância de trinta palmos. </strong><br />
<strong> O selvagem compreendeu imediatamente a razão disto: a onça, com seus instintos carniceiros e a sêde voraz de sangue, tinha visto os cavalos e desdenhava o homem, fraca prêsa para saciá-la. </strong><br />
<strong>Com a mesma rapidez com que formulou este pensamento, tomou da cinta uma flecha pequena e delgada como espinho de ouriço, e esticou a corda do grande arco, que excedia de um terço à sua altura. </strong><br />
<strong>Ouviu-se um forte sibilo, que foi aompanhado por um bramido da fera: a pequena seta despedida pelo índio se cravara na orelha, e uma segunda, açoutando o ar, ia ferir-lhe a mandíbula inferior. </strong><br />
<strong>O tigre tinha se voltado ameaçador e terrível, aguçando os dentes uns nos outros, rugindo de fúria e vingança: de dois saltos aproximou-se novamente. </strong><br />
<strong>Era uma luta de morte que ia se travar; o índio o sabia, e esperou tranqüilamente, como da primeira vez; a inquietação que sentira um momento de que a prêsa lhe escapasse, desaparecera; estava satisfeito. </strong><br />
<strong>Assim, êstes dois selvagens das matas do Brasil, cada um com as suas armas, cada um com a consciência de sua força e de sua coragem, consideravam-se mutuamente como vítimas que iam ser imoladas. </strong><br />
<strong>O tigre deste vez não se demorou; apenas se achou a quinze passos do inimigo, retraiu-se com uma força de elasticidade extraordinária e atirou-se como um estilhaço de rocha, cortado pelo raio. </strong><br />
<strong>Foi cair sobre o índio, apoiado nas largas patas de trás, com o corpo direito, as garras estendidas para degolar a sua vítima, e os dentes prontos para cortar-lhe a jugular. </strong><br />
<br />
<strong>A velocidade deste salto monstruoso foi tal que, no mesmo instante em que viram brilhar entre as folhas os reflexos negros de sua pele azevichada, já a fera tocava o chão com as patas. </strong><br />
<strong>Mas tinha em frente um inimigo digno dela, pela força e agilidade. </strong><br />
<strong>Como a princípio, o índio tinha dobrado um pouco os joelhos, e segurava na esquerda a longa forquilha, sua única defesa; os olhos sempre fixos magnetizavam o animal. No momento em que o tigre se lançara, curvou-se ainda mais, e fugindo com o corpo apresentou o gancho. A fera, caindo com a força do peso e a ligeireza do pulo, sentiu o forcado cerrar-lhe o colo, e vacilou. </strong><br />
<strong>Então o selvagem distendeu-se com a flexibilidade da cascavel ao lançar o bote: fincando os pés e as costas no tronco, arremessou-se e foi cair sobre o ventre da onça, que, subjugada, prostrada de costas, com a cabeça presa no chão pelo gancho, debatia-se contra o seu vencedor, procurando debalde alcançá-lo com as garras. </strong><br />
<strong>Esta luta durou minutos; o índio, com os pés apoiados fortemente nas pernas da onça, e o corpo inclinado sôbre a forquilha, mantinha assim imóvel a fera, que há pouco corria a mata não encontrando obstáculos à sua passagem. </strong><br />
<strong>Quando o animal, quase esfixiado pela estrangulação, já não fazia senão uma fraca resistência, o selvagem, segurando sempre a forquilha, meteu a mão debaixo da túnica e tirou um corda de "ticum" que tinha enrolada à cintura em muita voltas. </strong><br />
<strong>Nas pontas desta corda havia dois laços que ele abriu com os dentes e passou nas patas dianteiras ligando-as fortemente uma à outra; depois fez o mesmo às pernas, e acabou por amarrar as duas mandíbulas, de modo que a onça não pudesse abrir a boca. </strong><br />
<strong>Feito isto, correu a um pequeno arroio que passava perto; e enchendo de água uma folha de cajueiro bravo, que tornou côva, veio borrifar a cabeça da fera. Pouco a pouco o animal ia tornando a si; e o seu vencedor aproveitava este tempo para reforçar os laços que a prendiam, e contra os quais toda a força e agilidade do tigre seriam impotentes.</strong><br />
<strong>José de Alencar ( José Martiniano de Alencar) - O GUARANI </strong><br />
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<strong>Pesquisa e postagem </strong><br />
<strong>Nicéas Romeo Zanchett </strong><br />
<strong><a href="http://gotasdeculturauniversal.blogspot.com/">http://gotasdeculturauniversal.blogspot.com/</a> </strong>GOTAS DE CULTURAhttp://www.blogger.com/profile/05297345491578235021noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2315330605768890420.post-19418340626730914472011-04-10T13:18:00.000-07:002011-04-13T11:47:50.953-07:00MENINO DE APARTAMENTO VISITA UMA CASA - Raquel de Queirós<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjQATz1tYPS0RTwsEQQLCUzYUtkNiF8i-c0UfD8BkbPvz6TOI0BFslUhEUzNOOLh5YG7KaCzOP6RAlR7B4yWABKDBKhnM_11JFSYnmGuidhCPFTWtq8taK4SjwtMiN-Fu92mVcKuTDNQZwL/s1600/imagesCANV4FTQ.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjQATz1tYPS0RTwsEQQLCUzYUtkNiF8i-c0UfD8BkbPvz6TOI0BFslUhEUzNOOLh5YG7KaCzOP6RAlR7B4yWABKDBKhnM_11JFSYnmGuidhCPFTWtq8taK4SjwtMiN-Fu92mVcKuTDNQZwL/s1600/imagesCANV4FTQ.jpg" /></a></div><br />
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<b> MENINO DE APARTAMENTO VISITA UMA CASA - Raquel de Queirós</b><br />
<b>Amanheceu aberta uma rosa, uma rosa grande e rubra, na roseira do meu jardim. Modesto jardim à moda antiga, um pedaço de grama, um pé de manacá, um coqueiro-anão, um jasmim-do-cabo, algumas roseiras. Nem jardim propriamente é. Mas para o meninozinho que nasceu num decimo-primeiro andar, que tem pai comerciário e mãe oficial-administrativo - para aquele garoto o meu jardim é um parque, um reino. Ele mal foi saltando do carro, juntou as mãozinhas e disse que lá estava um balãozinho de papel encarnado em cima daquela planta. A mãe, que tem habitos pedagógicos, logo explicou que aquilo era uma rosa numa roseira. O menino entretanto nãoconcordou, disse que só se era então um "balão de roseira". E quando insistiram que se tratava de uma flor, o rapaz perdeu apaciência: "Flor é pequenininho, e só dá na feira". Nativo da zona sul, é natural que pense que as flores e os legumes nascem nas bancas. </b><br />
<b>Depois entrou em casa: entrou e parece que não gostou ou não entendeu. Foi perguntando onde é que ficava o elevador. E sabendo que não havia elevador, indagou como é que se ia para cima. Nós explicamos que não havia lá em cima. Ele ficou completamente perplexo e quis saber onde é que o povo morava. E não acreditou direito quando lhe afirmamos que não havia mais povo, só nós. Calou-se, percorreu o resto da casa e as dependências; se aprovou, não disse. Mas, à porta da sala de jantar, inesperadamente, deu com o quintal. Perguntos se era o Rssel. Perguntou se tinha escorrega, se tinha gangorra. Perguntou onde é que estavam "os outros meninos". Claro que achava singular e, até, meio supeito aquela porção de terra e ávores sem ninguém dentro.</b><br />
<b>Todas essas observações, fê-las ainda do degrau da sala. Afinal, estirou tentativamente a ponta do pé, tateou o chão, resolveu explorar aquela floresta virgem. </b><br />
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<b>De "100 Crônicas Escolhidas" de Raquel de Queirós. </b><br />
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<b>Pesquisa e postagem > Nicéas Romeo Zanchett</b><br />
<b><a href="http://gotasdeculturauniversal.blogspot.com/">http://gotasdeculturauniversal.blogspot.com/</a> </b>GOTAS DE CULTURAhttp://www.blogger.com/profile/05297345491578235021noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2315330605768890420.post-9107573808550465812011-04-10T12:55:00.000-07:002011-04-13T11:48:11.287-07:00MEU PAI - De Graciliano Ramos<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjTWX8VYJ1_DxIqyIzIk4P3d-qfIqCdwd7aeRb7xhRHFDSC7vgvplgJsmgzE8_fB1pwqHTW7mdLrTzVGDo9MN2N2u5C9Jqd8g9mmeH6OYDrQTq_X4H7TwkTTSvhL5Lk2_Dd4yYOkMHZGm9z/s1600/graciliano+ramos.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjTWX8VYJ1_DxIqyIzIk4P3d-qfIqCdwd7aeRb7xhRHFDSC7vgvplgJsmgzE8_fB1pwqHTW7mdLrTzVGDo9MN2N2u5C9Jqd8g9mmeH6OYDrQTq_X4H7TwkTTSvhL5Lk2_Dd4yYOkMHZGm9z/s1600/graciliano+ramos.jpg" /></a></div><br />
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<b> MEU PAI - Graciliano Ramos </b><br />
<b>Espanto,e enorme, senti ao enxergar meu pai abatido na sala, o gesto lento. Habituara-me a vê-lo grave, silencioso, acumulando energia para gritos medonhos. Os gritos vulgares perdiam-se; os dele ocasionavam movimentos singulares: as pessoas atingidas baixavam a cabeça, humilde, ou corriam a executar ordens. Eu era ainda muito novo para compreender que a fazenda lhe pertencia. Notava diferenças entre os indivíduos que se sentavam nas redes e os que se acocoravam no alpendre. O gibão de meu pai tinha diversos enfeites; no de amaro havia numerosos buracose remendos. As nossas roupas grosseiras pareciam-me luxuosas comparadas à chita de sinha Leopoldina, à camisa de José Baía, sura, de algodão cru. Os caboclos estazavam, suavam, prediam arame farpado nas estacas. Meu pai vigiava-os exigia que se mexessem, desta ou daquela forma, e nunca esva satisfeito, reprovava tudo, com insultos e desconchavos. Permanente, essa birra tornava-se razoável e vantajosa: curvara espinhaços, retesara músculos, cavara na piçarra e na argila o açude que se cobria de patos, mergulhões e flores de baronesa. Meu pai era terrivelmente poderoso, e essencialmente podroso. Não me ocorria que o poder estivesse fora dele, de repente o abandonasse, deixando-o fraco e normal, num gibão roto sobre a camisa curta...</b><br />
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<b>Graciliano Ramos - Infância. </b><br />
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<b>Pesquiza e postagem > Nicéas Romeo Zanchett </b><br />
<b><a href="http://gotasdeculturauniversal.blogspot.com/">http://gotasdeculturauniversal.blogspot.com/</a></b>GOTAS DE CULTURAhttp://www.blogger.com/profile/05297345491578235021noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2315330605768890420.post-19811590307867439812011-04-10T12:34:00.000-07:002011-04-13T11:48:33.528-07:00SINHÁ - LINDA - de Guimarães Rosa<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgyzKifHX_TLfpUFfo9vlRxNO1-IAiqDNCqx4G-U1gVSHuORo5pXrZBWv3c6MF6rqul1Ll74awuoCZ-53PYdXEoiQUshXw4M_MYLgHUtoKDqko5Nid_mzozqXQ52VrYeUEPDudcCEeMu7vY/s1600/jo%25C3%25A3o+guimar%25C3%25A3es+rosa.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgyzKifHX_TLfpUFfo9vlRxNO1-IAiqDNCqx4G-U1gVSHuORo5pXrZBWv3c6MF6rqul1Ll74awuoCZ-53PYdXEoiQUshXw4M_MYLgHUtoKDqko5Nid_mzozqXQ52VrYeUEPDudcCEeMu7vY/s1600/jo%25C3%25A3o+guimar%25C3%25A3es+rosa.jpg" /></a></div><br />
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<b> SINHA - LINDA - Guimarães Rosa</b><br />
<b>E então Lélio via, na rua, o Assis Tropeiro conversando com o pai da Moça. E viu a Moça. Naquele momento, o que ele sentiu foi quase diferente de sua vida toda. A modo precisasse de repente de se ser no pino de bonito, de forçoso, de rico, grande demais em vantagens, mais do que homem, da ponta do bico da bota até o tope do chapéu. Tinha vexame de tudo o que era e do que não era. Ave, na vivice do rosto daquela Mocinha, nos movimentos espertos de seu corpo, sucedia o resumo de uma lembrança sem paragens. Dava para em homem se estremecer mais uma ambição do que uma saudade. Ou, então, uma saudade gloriada, assim confusa. Se ela olhasse e mandasse, ele tinha asas, gostava de poder ir longe, até à distância do mundo, por ela estrepolir, fazer o que fosse, - guerrear, não voltar - essas ilusões. Ela tinha os cabelos quase acobreados, cortados curto, os pezinhos um pouquinho grandes. E nem o viu. A tropa saia na manhã seguinte, por Paredão, depois do Lajeado. Num pronto, Lélio disse ao Assis Tropeiro uma conversa de que podia ir junto, até à Novilha Brava, de onde se apartava e torava para o norte. Veio mesmo.</b><br />
<b>A moça, com o pai, o senhor Gabino, a mãe, dona Luísa, um irmão doutor e outros dois rapazes, que eram do Rio de Janeiro. Lélio estava ali para a ver, agarrar de ver, às penas que pudesse, sempre, sempre. Vê-la, e a ouvir, bastava. Primeiro dia, da ponta de trilhos vieram até ao Lajeado. - "Será que já é o sertão?" - ela queria saber. O sertão, igual ao Gerais, dobra sempre mais para diante, territórios. - "Mas já é o Sertão, sim!" - ela queria e exclamava: - "Tanto sol, tanta luz! Este céu é o da Itália..." Ela montava vestida de homem, como um menino. Às vezes dizia engraçadas palavras, se divertia a rodo, com os rapazes. Segundo dia, o trecho era do Lajeado ao Capão-do-Barreiro, onde tem uma vereda grande, com o buritizal, com uma lagoa. Sendo o mês de setembro, o buriti floroso - os altos cachos amarelos de ouro. - "O buriti é a palmeira de Deus!" - ela disse, disse. Lélio se lembrava dos gestos de sua mãe, e, como esses vaqueiros do Alto Urucuia, relatava coisas ao cavalo. Mas se contentava, sem pensamento, perto de tudo. Ela estava com um plastro branco na ponta de um dedo, machucado em qualquer parte. Seu nome era que lindo por lindo, qual retinia. No que não havia risco de ninguém ver, pois já estavam de saia, ele o escreveu, porção de vezes, nas costas das folhas das piteiras. Mas ao cavalinho pampa os nomes que dela disse foram outros: Minha-Menina, a Mocinhazinha, Sinhá-Linda... E vinham na terceira etapa - do Capão-do-Barreiro ao Paredão - lá iam demorar o inteiro de um dia, por descanso e porque a Moça queria encontrar coisas de vista. Ela era elegante sem querer, parece que nem sabiá que era. Perguntou a Lélio o nome de um passarinho: era uma maria-tola do cerrado, ele não considerou decente responder uma bobagem dessa, achou melhor dizer que não sabia. Porque não tinha sido um sabiá ou um sofrê; mesmo o quem-quem - que em toda baixada de campo limpo navegava, aos pares, pulando atrás dos bois? Os olhos dela rebrilhavam, reproduzindo folha de faca nova. O olhar, o riso, semelhavam a itaberaba das encostas pontilhadas de malacacheta, ao comprido sol. Como podia se guardar tanto poder numa criaturinha tão mindinha de corpo? Aí Lélio não queria alçar o galho, nem dar-se em espetáculo; mas carecia, necessitava de serví-la, de oferecer-lhe alguma coisa. Como viu que ela deseja sempre provar das comidas e bebidas sertanejas - achara choco o chá de congonha, mas aparecia muito o de cagaiteira, que é dourado lindo e delicado e tem os suaves perfumes. No Porto-do-Cavalo, ele pensou o projeto, mal pôde dormir. Acordou antes do dia, montou e galopou meia-légua, até onde estavam dizendo que se conseguia achar um doce de buriti, bom especial. Comprou, mesmo com a tigela grande - não queria vender aquela tigela, bonita, pintada com avoejos verdes e roxas flores. Trouxe, deu a ela, receoso, labasco, sem nenhuma palavra podida. Ela riu, provou e sacudiu a cabecinha: disse aos rapazes que era um doce groceiro, ruim. Nem olhara mais para Lélio. Mas ele ouviu, desriu em cara suja, e coube em si pelo resto do dia. Porém, no seguinte, na fazenda da Extrema, à tarde, por uma acaso ele pôde ver seus pezinhos, que ela lavava, à beira de água corrente. Demorou agudo os olhos, no susto de um roubado momento, e era como se os tivesse beijado: nunca antes soubera que pudesse haver uns pezinhos assim, bonitos alvos e rosados, aquela visão jamais esqueceria. Custou assentar cabeça. Modo outro não foram todos aqueles dias, que mudavam o estranho de sua vida, e eram dias desigualados, no rio rodante do mundo, da ponta das manhãs até ao subir extenso das noites, com o milmilhar de estrelas do sertão. E força foi que enfim ela apartasse e se despedisse, no partirem do pouso na Fazenda da Novilha Brava, depois do Ribeirão do Gado Bravo, que então ele devia beiradear, rumo das nascentes. Até que se alegrava, nem sabia exato porque, na hora de pedir adeus. Talvez pela importância de ter de ser então notado, de poder dirigir-se altamente a ela, ele risonho e perturbado, em seu cavalo de duas cores. Tanto ela sorriu, estendeu-lhe a mãozinha abreviadamente, nem macia, perguntando-lhe mesmo por que não persistia junto, até ao Paracatu. Ah, sentia, não podia... - ele produziu de responder. Nem tudo podia ser como nós queremos... Mas já ela se afastava, o amesquinhando, de certo, gracejava com um dos rapazes, por último que falou ainda se ouvia: - "...Mesmo porque, ora essa!..."</b><br />
<b>Um vivido. O resto era o que-ha-de-vir. Lélio não se entristecia, sabia que nunca mais havia de encontrá-la, mas tudo de começo tinha sido mesmo sem nenhuma esperança pequena, ele não era louco, o fogo é que corre com os pés para cima. Mas também não atinava com maneira de verdade para a esquecer, por mais difícil do que matar uma palmeira ouricuri - que até cortada e caída no chão reenraíza: guarda sua água no profundo. Pensar nela dava a sobre-coragem, um gole de poder de futuro. </b><br />
<b>Mesmo agora, descido no comum da vida, querendo outras mulheres, de carinhos fortes; mas, depois, um instante, primeiro de dormir, pensava nela, ao acautelado, ao leve. Pensava nela, assim só como se estivesse rezando. </b><br />
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<b>De João Guimarães Rosa. Corpo de Baile. </b><br />
<b>Pesquiza e postagem > Nicéas Romeo Zanchett </b><br />
<b><a href="http://gotasdeculturauniversal.blogspot.com/">http://gotasdeculturauniversal.blogspot.com/</a></b>GOTAS DE CULTURAhttp://www.blogger.com/profile/05297345491578235021noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2315330605768890420.post-35668761872234354222011-04-10T07:50:00.000-07:002011-04-13T11:48:53.509-07:00NA VARANDA - Machado de Assis<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEijpEQEce4lk5ZNoPVuwVDlwc5l0r8z1bwYEJfPoaZ9heWRci4KUkGnF0rLr9rHoRTf-x9x28k7SFLLbfH8jCkEpo9yNCwnYbFn0FutVkBbcIOmDAhIIc_I5cWjCIf9Xk_ZMC4nT3Z7JdjQ/s1600/macvh.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEijpEQEce4lk5ZNoPVuwVDlwc5l0r8z1bwYEJfPoaZ9heWRci4KUkGnF0rLr9rHoRTf-x9x28k7SFLLbfH8jCkEpo9yNCwnYbFn0FutVkBbcIOmDAhIIc_I5cWjCIf9Xk_ZMC4nT3Z7JdjQ/s1600/macvh.jpg" /></a></div><br />
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<b> NA VARANDA - Machado de Assis </b><br />
<b>Parei na varanda; ia tonto, atordoado, as pernas bambas, o coração parecendo querer sair-me pela boca fora. Não me atrevia a descer à chácara, e passar ao quintal vizinho. Comecei a andar de um lado para outro, estacando para amparar-me, e andava outra vez e estacava. Vozes confusas repetiam o discurso do José Dias: </b><br />
<b>"Sempre jutos..."</b><br />
<b>"Em segredinhos..."</b><br />
<b>"Se eles pegam de namôro..."</b><br />
<b>Tijolos que pisei e repisei naquela tarde, colunas amareladas que me passastes à direita ou à esquerda, segundo eu ia ou vinha, em vós me ficou a melhor parte da crise, a sensação de um gozo nôvo, que me envolvia em mil mesmo, e logo me dispensava, e me trazia arrepios, e me derramava não sei que bálsamo interior. Às vezes, dava por mim, sorrindo, um ar de riso de satisfação, que desmentia a abominação do meu pecado. E as vozes repetiam-se confusas: </b><br />
<b>"Em segredinhos..."</b><br />
<b>"Sempre jutos..."</b><br />
<b>"Se eles pegam de namoro..."</b><br />
<b>Um coqueiro, vendo-me inquieto e adivinhando a causa, murmurou de cima de si que não era feio que os meninos de quinze anos andassem nos cantos com as meninas de quatorze; ao contrário, os adolescentes daquela idade não tinham outro ofício, nem os cantos outra utilidade. Era um coqueiro velho, e eu cria nos coqueiros velhos, mais ainda que nos velhos livros. Pássaros, borboletas, uma cigarra que ensaiava o estio, toda a gente viva do ar era da mesma opinião. </b><br />
<b>Com que então eu amava Capitu, e Capitu a mim? Realmente, andava cosido às saias dela, mas não me ocorria nada entre nós que fosse deveras secreto. Antes dela ir para ocolégio, eram tudo travessuras de criança; depois que saiu do colégio, é certo que não restabelecemos logo a antiga intimidade, mas esta voltou pouco a pouco, e no último ano era completa. Entretanto, a matéria das nossas conversações era a de sempre. Capitu chamava-me às vezes bonito, mocetão, uma flor; outras pegava-me nas mãos para contar-me os dedos. E comecei a recordar esses e outros gestos e palavras, o prazer que sentia quando ela me passava a mão pelos cabelos, dizendo que os achava lindíssimos. Eu, sem fazer o mesmo aos dela, dizia que os dela eram muito mais lindos que os meus. Então Capitu abanava a cabeça com uma grande expressão de desengano e melancolia, tanto mais de espantar quanto que tinha os cabelos realmente admiráveis; mas eu retorqui chamando-lhe maluca. Quando me perguntava se sonhara com ela na véspera, e eu dizia que não, ouvia-lhe contar que sonhara comigo, e eram aventuras extraordinárias, que subíamos ao Corcovado pelo ar, que dançavamos na lua, ou então que os anjos vinham perguntar-nos pelos nomes, a fim de os dar a outros anjos que acabavam de nascer. Em todos esses sonhos andávamos unidinhos. Os que eu tinha com ela não eram assim, apenas reproduziam a nossa familiaridade, e muitas vezes não passavam de simples repetição do dia, alguma frase, algum gesto. Também eu os contava. Capitu um dia notou a diferença, dizendo que os dela eram mais bonitos que os meus; eu, depois de certa hesitação, disse-lhe que eram como a pessoa que sonhava... Fez-se cor de pitanga. </b><br />
<b>Pois, francamente, só agora entendia a emoção que me davam essas e outras confidências. A emoção era doce e nova, mas a causa dela fugia-me, sem que eu a buscasse nem supeitasse. Os silêncios dos últimos dias, que me não descobriam nada, agora os sentia como sinais de alguma coisa, e assim as meias palavras, as perguntas curiosas, as respostas vagas, os cuidados, o gosto de recordar a infância. Também adverti que era fenômeno recente acordar com opensamento em Capitu, e escutá-la de memória, e estremecer quando lhe ouvia os passos. Se se falava nela, em minha casa, prestava mais atenção que dantes e, segundo era louvor ou crítica, assim me trazia gosto ou desgosto mais intensos que outrora, quando éramos somente companheiros de travessuras. Cheguei a pensar nela durante as missas daquele mês, com intervalos, é verdade, mas com exclusivismo também. </b><br />
<b>Tudo isso me era agora apresentado pela boca de José Dias, que me denunciara a mim mesmo, e a quem eu perdoava tudo, o mal que dissera, o mal que fizera, e o que pudesse vir de um e de outro. Naquele instante, a eterna Verdade não valeria mais que ele, nem a eterna Bondade, nem as demais Virtudes eternas. Eu amava Capitu! Capitu amava-me! E as minhas pernas andavam , desandavam, estacavam, trêmulas e crentes de abarcar omundo.</b><br />
<b>Esse primeiro palpitar da seiva, essa revelação da consciência a si própria, nunca mais me esqueceu, nem achei que lhe fosse comparável qualquer outra sensação da mesma espécie. Naturalmente por ser minha. Naturalmente também por ser a primeira. </b><br />
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<b>De Machado de Assis - Em Dom Casmurro. </b><br />
<b>Postado por Nicéas Romeo Zanchett </b><br />
<b><a href="http://gotasdeculturauniversal.blogspot.com/">http://gotasdeculturauniversal.blogspot.com/</a></b>GOTAS DE CULTURAhttp://www.blogger.com/profile/05297345491578235021noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2315330605768890420.post-48592688329924406672011-04-08T04:51:00.000-07:002011-04-13T11:49:26.657-07:00DECLARAÇÃO - Manuel Antonio de Almeida<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj5R6_-Sr_w5JUI2A_gsEFkWzngtjnYq5ZOf8R-KS4QqDvm0cd8gdoDHGQscXjGQg6Q1o9qma1NdmWWz5v82hyTwDszjKuzOGW3jvDmtBMIKulEEnWkGYtkpEr3bB1IxQTXY0ydlf4DIIP1/s1600/manuel+almeida.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj5R6_-Sr_w5JUI2A_gsEFkWzngtjnYq5ZOf8R-KS4QqDvm0cd8gdoDHGQscXjGQg6Q1o9qma1NdmWWz5v82hyTwDszjKuzOGW3jvDmtBMIKulEEnWkGYtkpEr3bB1IxQTXY0ydlf4DIIP1/s1600/manuel+almeida.jpg" /></a></div><br />
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<b>DECLARAÇÃO - Manuel Antonio de Almeida</b><br />
<b>Devia começar, como o sabe de cor e salteado a maioria dos leitores, que é sem dúvida nenhuma muito entendida na matéria, por uma declaração em forma. </b><br />
<b>Mas em amor, assim como em tudo, a primeira saída é o mais difícil. Tôdas as vezes que esta idéia vinha à cabeça do pobre rapaz, passava-lhe uma nuvem escura por diante dos olhos e banhava-se o corpo em suor. Muitas semanas levou a compor, a estudar o que havia de dizer a Luizinha quando aparecesse o momento decisivo. Achava com facilidade milhares de idéias brilhantes: porém, mal tinha assentado em que diria isto ou aquilo, já isto e aquilo não lhe parecia bom. Por várias vezes, tivera ocasião favorável para desempenhar a sua tarefa, pois estivera a sós com Luizinha; porém, nessas ocasiões, nada havia que pudesse vencer o tremor nas próprias pernas que se apoderava dele, e que não lhe permitia levantar-se do lugar onde estava, e um engasgo que lhe sobrevinha, e que o impedia de articular uma só palavra. Enfim, depois de muitas lutas consigo mesmo para vencer o acanhamento, tomou um dia a resolução de acabar com o mêdo, dizer-lhe a primeira coisa que lhe viesse à boca. </b><br />
<b>Luizinha estava no vão de uma janela a espiar para a rua pela rótula: Leonardo aproximou-se tremendo, pé ante pé, parou e ficou imóvel como uma estátua atrás dela que, entretida para fora, de nada tinha dado fé. Esteve assim por longo tempo calculando se devia falar em pé ou se devia ajoelhar-se. Depois fez um movimento como se quizesse tocar no ombro de Luizinha, mas retirou depressa a mão. Pareceu-lhe que por aí não ia bem; quis antes puxar-lhe pelo vestido, e ia já levantando a mão quando também se arrependeu. Durante todos estes movimentos o pobre rapaz suava a não poder mais. Enfim, um incidente veio tirá-lo da dificuldade.</b><br />
<b>Ouvindo passos no corredor, entendeu que alguém se aproximava, e tomado de terror por se ver apanhado naquela posição, deu repentinamente dois passos para trás, e soltou um - ah!" -muito engasgado. Luizinha, voltando-se deu com ele diante de si, e recuando espremeu-se de costas contra a rótula: veio-lhe também outro - ah! -porém não lhe passou da garganta e conseguiu apenas fazer uma careta. </b><br />
<b>A bulha dos passos cessou sem que ninguém chegasse à sala; os dois levaram algum tempo naquela mesma posição, até que Leonardo, por um supremo esforço, rompeu o silêncio, e com voz trêmula e em tom o mais sem graça que se possa imaginar perguntou desenxabidamente: </b><br />
<b>- A senhora... sabe... uma coisa?</b><br />
<b>E riu-se com uma risada forçada, pálida e tola.</b><br />
<b>Luizinha não respondeu. Ele repetiu no mesmo tom:</b><br />
<b>- Então... a senhora...sabe ou...não sabe? </b><br />
<b>E tornou a rir-se do mesmo modo. Luizinha consevou-se muda. </b><br />
<b>- A senhora bem sabe... é porque não quer dizer...</b><br />
<b>Nada de resposta. </b><br />
<b>- Se a senhora não ficasse zangada... eu dizia...</b><br />
<b>Silêncio. </b><br />
<b></b><b>- Está bom...eu digo sempre... mas a senhora fica ou não fica zangada? </b><br />
<b>Luizinha fez um gesto de quem estava impacientada. </b><br />
<b>- Pois então eu digo... a senhora não sabe... eu... eu lhe quero... muito bem...</b><br />
<b>Luizianha fez-se cor de cereja; e fazendo meia volta à direita, foi dando as costas ao Leonardo e caminhando pelo corredor. Era tempo, pois alguém se aproximava. </b><br />
<b>Leonardo viu-a ir-se, um pouco estupefato pela resposta que ela lhe dera, porém, não de todo descontente: seu olhar de amante percebera que o que se acabava de passar não tinha sido totalmente desagradável a Luizinha. </b><br />
<b>Quando ela desapareceu, soltou o rapaz um suspiro de desabafo e assentou-se, pois se achava tão fatigado com se tivesse acabado de lutar braço a braço com um gigante.</b><br />
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<b>De Manuel Antônio de Alméida - Memórias de um Sargento de Milícias. </b><br />
<b>.</b><br />
<b>Postado por Nicéas Romeo Zanchett </b><br />
<strong><a href="http://gotasdeculturauniversal.blogspot.com/">http://gotasdeculturauniversal.blogspot.com/</a> </strong>GOTAS DE CULTURAhttp://www.blogger.com/profile/05297345491578235021noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2315330605768890420.post-39453014716740448472011-04-08T04:08:00.000-07:002011-04-08T04:08:13.891-07:00DOR DE DENTE - Mário de Andrade<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgO0TA0V7CpRYXvH3E-4l9j4ldf2XEnvvO8VHL8N4N3i1FyMlXrrbvV78XEBMcxExXhSciLzj3h6gXWj3SmVB8zu1lTnm8epHdNjYIj3oZAOGHwn5BiQxJryyRwgpTl-4pAB9CgjO7r3VXz/s1600/mario+de+andrade.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgO0TA0V7CpRYXvH3E-4l9j4ldf2XEnvvO8VHL8N4N3i1FyMlXrrbvV78XEBMcxExXhSciLzj3h6gXWj3SmVB8zu1lTnm8epHdNjYIj3oZAOGHwn5BiQxJryyRwgpTl-4pAB9CgjO7r3VXz/s1600/mario+de+andrade.jpg" /></a></div><br />
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<b> DOR DE DENTE - Mário de Andrade </b><br />
<b>Em frente de Sousa Costa, a pretinha Marina, imóvel, se agarra com as duas mãos no banco, estarrecida, boca aberta, olhos esbugalhados, gozando. Como tinham ido ao Rio pelo noturno, esta era realmente a primeira vez que enfim Marina viajava de trem, a sua maior aspiração. Automóvel, jamais a interessara, era canja, não tinha apito. Mesmo para ir da casinha dela, na chegada de Jundiaí, para a vila Laura, foram buscá-la na Fiat, não tinha apito.</b><br />
<b>E nos seus quatorze anos, Marina guardava aquele desejo eterno com que, todos os dias de sua já longa vida, espiava os trens, trepava no barranco, os trens sublimes passando. A casa do pai dela, carapina em Jundiaí, era justo numa curva de apitar, e o apito nascera dentro dela como a suprema expressão da dignidade dos veículos. </b><br />
<b>Só uma coisa Marina ainda achava superior ao trem: ter dor de dente. Chegara a rezar a Deus pedinho que lhe mandasse uma dor de dente, nem que fosse uma dorzinha só, bem pequenina, porque achava muito lindoa gente andar com um lenço vermelho amarrado na cara. Achava lindíssimo. No tempo em que morava com a família, chegava a chorar de escondido, porque o Dito andava sempre de lenço amarrado na cara, maravilhoso, já todo banguela de tanto dentearrancado com dor. E ela com aquela dentadura branca, alvinha, sem uma dor.... Chorava.</b><br />
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<b>De Mário de Andrade - Amar, Verbo Intransitivo. </b><br />
<b>Postado por Nicéas Romeo Zanchett </b>GOTAS DE CULTURAhttp://www.blogger.com/profile/05297345491578235021noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2315330605768890420.post-84981695469678940702011-04-03T11:57:00.000-07:002011-04-03T11:57:25.735-07:00ONIPRESENÇA - Armando Nogueira<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi31HUuQgNWZwVwDYrcpeRxatg9z3KgnBspUMI5f16GYFNgqwk4pI6NuZg4GJ6kX3r3NIMDFC-59ZjD38LBHbIFZv7drnNo1UiFYWua9cVN3EcKkKQyHf-z-kB0QTp9R2hBqEB9Zj4TS6Ea/s1600/imagesCAPA94Z7.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi31HUuQgNWZwVwDYrcpeRxatg9z3KgnBspUMI5f16GYFNgqwk4pI6NuZg4GJ6kX3r3NIMDFC-59ZjD38LBHbIFZv7drnNo1UiFYWua9cVN3EcKkKQyHf-z-kB0QTp9R2hBqEB9Zj4TS6Ea/s1600/imagesCAPA94Z7.jpg" /></a></div><br />
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<b> ONIPRESENÇA </b><br />
<b>A imprensa uruguaia passara a semana inteira a falar do grande jogo, destilando otimismo. Fazia uma única adverttência: que o Peñarol tivesse cuidado com Pelé, que o marcasse de perto - e aí estaria a fórmula da vitória certa. Em Buenus Aires, entre duas bombas e uma greve dos quarteirões de Nuñez, os jornais exaltavam a escola do Rio da Prata, destacando, contudo, que era preciso ter todas as atenções concentradas em Pelé. Uma vez bem marcado, Pelé estaria sem condições para golear e, certamente, ganharia o Peñarol.</b><br />
<b>No hotel, em Buenus Aires, antes de tomar o ônibus para o estádio do River Plate, o técnico Bela Gutman recomendou: cerquem o Pelé e ganharemos. No vestiário, quase à hora de entrar em campo, o time do Peñarol foi convocado a um canto pelo técnico Bela Gutman: </b><br />
<b>-Você, zagueiro-direito, só tem uma tarefa, hoje: marque o Pelé naquelas entradas dele pela meia esquerda. A cobertura será feita pelo zagueiro-interior-esquerdo. O esquema é infalível.</b><br />
<b>Adiante, Bela Gutman chamou o zagueiro-interior-esquerdo: " Você hoje só precisa fazer uma coisa: marque o Pelé naquelas entradas pela meia direita. A cobertura é do zagueiro-direito. </b><br />
<b>O zagueiro-direito, por sua vez, será coberto pelo lateral toda vez que Pelé entrar pela meia." </b><br />
<b>Bela Gutman chamou o goleiro: "Você fica de olho nas bolas pingadas na pequena érea: cuidado com Pelé que é perigoso nas cabeçadas. Com outros, não precisa se preocupar; bloqueie sempre os saltos do Pelé. </b><br />
<b>Chamou, por fim, os dois apoiadores e pediu que ajudassem os quatro zagueiros na missão um tanto incômoda, reconhecia, de marcar Pelé. Incômoda, mas não impossível. Afinal de contas, Pelé não tem nada de super-homem. Basta marcá-lo com cuidado, com rigor, mobilizando as melhores energias de time que ele ficará imobilizado. </b><br />
<b>Tudoperfeito, tudo asentado, o Exército Argentino conjugado ao Exército Uruguaio, com a cobertura da Marinha e da Aviação. Jogo lançado, Pelé marcado, Pelé marcadíssimo, Pelé ultramarcado, Pelé cercado, Pelé agarrado, Pelé derrubado, Pelé sufocado. </b><br />
<b>Bola na área, gol de Pelé. </b><br />
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<b>De Armando Nogueira - Na Grande Área. </b><br />
<b>Armando Nogueira, jornalista e cronista esportivo, nasceu em Xapuri em 14 de janeiro de 1927 e faleceu no Rio de Janeiro em 29 de março de 2010. A ele minha homenagem. </b><br />
<b>Nicéas Romeo Zanchett </b>GOTAS DE CULTURAhttp://www.blogger.com/profile/05297345491578235021noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2315330605768890420.post-31994526714376298342011-04-03T11:26:00.000-07:002011-04-03T11:26:28.755-07:00LAVADEIRAS - Aluisio Azevedo<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgwnOLOeS8ydmR6_oIiCLctl4If5Y8w4DnrnGX-ZlvrIe-Gj-U4tIEGv7YAQzsLfvRCMeAlrsEYdv0inLmeTRm7SARCMKzPNXdWKU0KZTgWbzy-iR4kUxOb1JKZkU9kcoVAKbGpUbJ7lB-Y/s1600/imagesCAZBW2FA.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgwnOLOeS8ydmR6_oIiCLctl4If5Y8w4DnrnGX-ZlvrIe-Gj-U4tIEGv7YAQzsLfvRCMeAlrsEYdv0inLmeTRm7SARCMKzPNXdWKU0KZTgWbzy-iR4kUxOb1JKZkU9kcoVAKbGpUbJ7lB-Y/s1600/imagesCAZBW2FA.jpg" /></a></div><br />
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<b> LAVADEIRAS </b><br />
<b>Noventa e cinco casinhas comportou a imensa estalagem. </b><br />
<b>Prontas, João Romão mandou levantar na frente, nas vinte braças que separavam a venda do sobrado do Miranda, um grosso muro de dez palmos de altura, coroado de cacos de vidro e fundos de garrafa, e com um grande portão no centro, onde se dependurou uma lanterna de vidraças vermelhas, por cima de uma tabuleta amarela, em que se lia o seguinte, escrito a tinta encarnada e sem ortografia: </b><br />
<b>"Estlagem de São Romão. Alugam-se casinhas e tinas para lavadeiras."</b><br />
<b>As casinhas eram alugadas por mês e as tinas por dia: tudo pago adiantado. O preço de cada tina, metendo a água, quinhentos réis, sabão à parte. As moradoras do cortiço tinham preferência e não pagavam nada para lavar. </b><br />
<b>Graças à abundância de água que lá havia, como em nenhuma outra parte, e graças ao muito espaço de que se dispunha no cortiço para estender a roupa, a concorrência às tinas não se fez esperar; acudiram lavadeiras de todos os pontos da cidade, entre elas algumas vindas de bem longe. E, mal vagava uma das casinhas, ou um quarto, um canto onde coubesse um colchão, surgia uma nuvem de pretendentes a disputá-los. </b><br />
<b>E aquilo se foi constituindo numa grande lavanderia, agitada e barulhenta, com as suas cercas de vara, as suas hortaliças verdejantes e os seus jardinzinhos de três e quatro palmos, que apareciam como manchas alegres por entre a negrura das limosas tinas transbordantes e o revérbero das claras barracas de algodão cru, cobertos de roupa molhada, cintilavam ao sol, que nem lagos de metal branco. </b><br />
<b>E naquela terra encharcada e fumegante, naquela umidade quente e lodosa, começou a minhocar, a esfervilhar, a crescer, um mundo, uma coisa viva, uma geração, que parecia brotar espontânea, ali mesmo, daquele lameiro, e multiplicar-se como larvas no esterco. </b><br />
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<b>De "O CORTIÇO" - dfe Aluísio Azevedo. </b><br />
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<b>Post.: Nicéas Romeo Zanchett </b><br />
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<b> </b>GOTAS DE CULTURAhttp://www.blogger.com/profile/05297345491578235021noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2315330605768890420.post-25730241096025665752011-04-03T10:58:00.000-07:002011-04-03T10:58:03.021-07:00O ANJO DA NOITE - Cecília Meireles<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgdufsf9CO6ozfMMdc3TBfI21oUN-GAGAUCrsDcIUnsIoi4C4mBQd9Cb8GQ72MOkp92pgiZ4w2-SGTswba4I8oGjpBoNFEvS-kI7toc_Lp6zGwYkrFGf7rchBeZeHcYvc39p5u9N41zIBDw/s1600/imagesCAA7H2T3.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgdufsf9CO6ozfMMdc3TBfI21oUN-GAGAUCrsDcIUnsIoi4C4mBQd9Cb8GQ72MOkp92pgiZ4w2-SGTswba4I8oGjpBoNFEvS-kI7toc_Lp6zGwYkrFGf7rchBeZeHcYvc39p5u9N41zIBDw/s1600/imagesCAA7H2T3.jpg" /></a></div><br />
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<b> O ANJO DA NOITE </b><br />
<b>O guarda noturno caminha com delicadeza, para não assustar, para não acordar ninguém. </b><br />
<b>Lá vão seus passos vagarosos, cadenciados,cosendo a sua sombra com a pedra da calçada.</b><br />
<b>Vagos rumores de bondes, de ônibus, os últimos veículos, já sonolentos, que vão e voltam quase vazios. O guarda noturno, que passa rente às casas, pode ouvir ainda a música de algum rádio, o choro de alguma criança, um resto de conversa, alguma risada. Mas vai andando. A noite é serena, a rua está em paz, o luar pôe uma névoa azulada nos jardins, nos terraços, nas fachadas: o guarda-noturno para e contempla.</b><br />
<b>À noite, o mundo é bonito, como se não houvesse desacordos, aflições, ameaças. Mesmo os doentes parece que são mais felizes: esperam dormir um pouco à suavidade da sombra e do silêncio. Há muitos sonhos em cada casa. É bom ter uma casa, dormir, sonhar. O gato retardatário que volta apressado, com certo ar de culpa, num pulo exato galga o muro e desaparece; ele também tem o seu cantinho para descansar. O mundo podia ser tranqüilo. As criaturas podiam ser amáveis. No entanto, ele mesmo, o guarda-noturno, traz um bom revolver no bolso, para defender uma rua...</b><br />
<b>E se um pequeno rumor chega ao seu ouvido e um vulto parece apontar da esquina, o guarda-noturno torna a trilhar longamente, como quem vai soprando um longo colar de contas de vidro. E recomeça a andar, passo a passo, firme e cauteloso, dissipando ladrões e fantasmas. É a hora muito profunda em que os insetos do jardim estão completamente extasiados, ao perfume da gardênia e à brancura da lua. E as pessoas adormecidas sentem, dentro de seus sonhos, que o guarda-noturno está tomando conta da noite, a vagar pelas ruas, anjo sem asas, porém armado. </b><br />
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<b>Quadrante 2 , de Cecília Meireles. </b><br />
<b>Post: Nicéas Romeo Zanchett</b><br />
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<b> </b>GOTAS DE CULTURAhttp://www.blogger.com/profile/05297345491578235021noreply@blogger.com7tag:blogger.com,1999:blog-2315330605768890420.post-26794354017273713502011-04-03T10:30:00.000-07:002011-04-03T10:30:51.369-07:00UM HOMEM DE CONSCIÊNCIA - Monteiro Lobato<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjEflRIBE-gwLGcN1fRQUImqEkPwZsqfvsIUJ0J9gD08W_VwdeBGV09RtPljzKua9T1XB83kHQKy2CDk0P5kZOuznU5AuzI3LjNQoi6rw9o2pWFBiYSZV2qcFMz261zNod32hQWoj3udkSp/s1600/0000016391.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="288" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjEflRIBE-gwLGcN1fRQUImqEkPwZsqfvsIUJ0J9gD08W_VwdeBGV09RtPljzKua9T1XB83kHQKy2CDk0P5kZOuznU5AuzI3LjNQoi6rw9o2pWFBiYSZV2qcFMz261zNod32hQWoj3udkSp/s320/0000016391.jpg" width="320" /></a></div><br />
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<b> UM BOMEM DE CONSCIÊNCIA - Monteiro Lobato </b><br />
<b>Chama-se João Teodoro, só. O mais pacato e modesto dos homens. Honestíssimo e lealíssimo, com um defeito apenas: não dar o mínimo valor a si próprio. Para João Teodoro, a coisa de menos importância no mundo era João teodoro. </b><br />
<b>Nunca fora nada na vida, nem admitia a hipótese de vir a ser alguma coisa. E por muito tempo não quis nem sequer o que todos ali queriam: mudar-se para terra melhor. </b><br />
<b>Mas João Teodoro acompanhava com aperto de coração o desaparecimento visível de sua Itaoca. </b><br />
<b>- Isto já foi muito melhor, dizia consigo. Ja teve três médicos bem bons - agora só um e bem ruinzote. Ja teve seis advogados e hoje mal dá serviço para rábula ordinário como Tenório. Nem circo de cavalinhos bate mais por aqui. A gente que presta se muda. Fica o restolho. Decididamente, a minha Itaoca está se acabando...</b><br />
<b>João teodoro entrou a incubar a idéia de também mudar-se, mas para isso necessitava dum fato qualquer que o convencesse de maneira absoluta de que Itaoca não tinha mesmo conserto ou arranjo possível. </b><br />
<b>- É isso, deliberou lá por dentro. Quando eu verificar que tudo está perdido, que Itaoca não vale mais nada de nada, então arrumo a trouxa e boto-me fora daqui. </b><br />
<b>Um dia conteceu a grande novidade: a nomeação de João Teodoro para delegado. Nosso homem recebeu a notícia como se fosse uma porretada no crâneo. Delegado, ele! Ele que não era nada, nunca fora nada, não queria nada, não se julgava capaz de nada...</b><br />
<b>Ser delegado numa cidadinha daquelas é coisa seríssima. Não há cargo mais importante. É o homem que prende os outros, que solta, que manda dar sovas, que vai á capital falar com o governo. Uma coisa colossal ser delegado - e estava ele, João Teodoro, de-le-ga-do de Itaoca... </b><br />
<b>João Teodoro caiu em meditação profunda. Passou a noite em claro, pensando e arrumando as malas. Pela madrugada botou-as num burro, montou seu cavalinho magro e partiu. </b><br />
<b>Antes de deixar a cidade foi visto por um amigo madrugador. </b><br />
<b>- Que é isso, João? Para onde se atira tão cedo, assim de armas e bagagens?</b><br />
<b> - Vou-me embora, respondeu o retirante. Verifiquei que Itaoca chegou mesmo ao fim. </b><br />
<b>- Mas, como ? Agora que você está delegado? </b><br />
<b>- Justamente por isso. Terra em que João Teodoro chega a delegado, eu não moro. Adeus. </b><br />
<b>E sumiu. </b><br />
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<b> Conto de Cidades Mortas, Monteiro lobato.</b><br />
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<b>Post. Niceas Romeo Zanchett </b><br />
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