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quinta-feira, 27 de junho de 2013

UM HOMEM DE CONSCIÊNCIA - por Monteiro Lobato


HUM HOMEM DE CONSCIÊNCIA 
de Cidades Mortas 
Por Monteiro Lobato

                     Chamava-se João Teodoro, só. O mais pacato dos homens. Honestíssimo e lealíssimo, com um defeito apenas: não dar o mínimo valor a si próprio. Para João Teodoro, a coisa de menos importância no mundo era João Teodoro. 
                     Nunca fora nada na vida, nem admitia a hipótese de vir a ser alguma coisa. E por muito tempo não quis sequer o que todos ali queriam; mudar-se para terra melhor. 
                     Mas João Teodoro acompanhava com aperto de coração o desaparecimento visível de sua Itaoca. - Isto já foi muito melhor, dizia consigo. Já teve médicos bem bons - agora só um e bem ruinzinho. Já teve seis advogados e hoje mal dá serviço para rábula ordinário como Teodoro. Nem circo de cavalinhos bate mais por aqui. A gente que precisa se mudá. Fica o restolho. Decididamente, a minha Itaóca está se acabando...
                      João Teodoro entrou a incubar a ideia de também mudar-se, mas para isso necessitava dum fato  qualquer que o convencesse de maneira absoluta de que Itaóca não tinha mesmo conserto ou arranjo possível. 
                      - É isso, deliberou lá por dentro. Quando eu verificar que tudo está perdido, que Itaóca não vale mais  nada de nada, então arrumo a trouxa e boto-me fora daqui. 
                      Um dia aconteceu a grande novidade: a nomeação de João Teodoro para delegado. Nosso homem recebeu a notícia como se fosse uma porretada no crânio. Delegado, ele! Ele que não era nada, nunca fora nada, não queria ser nada, não se julgava capaz de nada... 
                      Ser delegado numa cidadinha daquelas é coisa raríssima. Não há cargo mais importante. É o homem  que prende os outros, que solta, que manda dar sovas, que vai à capital falar com o governo. Uma coisa colossal ser delegado - e estava ele, João Teodoro, de-le-ga-do de Itaóca!... 
                       João Teodoro caiu em meditação profunda. Passou a noite em claro, pensando e arrumando as malas. 
                       Pela madrugada botou-as num burro, montou no seu cavalinho magro e partiu.
                       Antes de deixar a cidade foi visto por uma amigo madrugador.
                       - Que é isso, João? Para onde se atira tão cedo, assim de armas e bagagens? 
                       - Vou-me embora, respondeu o retirante. Verifiquei que Itaóca chegou mesmo ao fim. 
                       - Mas, como? Agora que você está delegado? 
                       - Justamente por isso.  Terra em que João Teodoro chega a delegado, eu não moro. 
                       - Adeus. 
                       E sumiu. 
  

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