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domingo, 10 de abril de 2011

MEU PAI - De Graciliano Ramos





                                         MEU PAI - Graciliano Ramos 
Espanto,e enorme, senti ao enxergar meu pai abatido na sala, o gesto lento.  Habituara-me a vê-lo grave, silencioso, acumulando  energia para gritos medonhos. Os gritos vulgares perdiam-se; os dele ocasionavam movimentos singulares:  as pessoas atingidas baixavam a cabeça, humilde, ou corriam a executar ordens. Eu era ainda muito novo para compreender que a fazenda lhe pertencia.  Notava diferenças entre os indivíduos que se sentavam nas redes e os que se acocoravam no alpendre. O gibão de meu pai tinha diversos enfeites; no de amaro havia numerosos buracose remendos. As nossas roupas grosseiras pareciam-me luxuosas comparadas à chita de sinha Leopoldina, à camisa de José Baía, sura, de algodão cru. Os caboclos estazavam, suavam, prediam arame farpado nas estacas. Meu pai vigiava-os exigia que se mexessem, desta ou daquela forma, e nunca esva satisfeito, reprovava tudo, com insultos e desconchavos. Permanente, essa birra tornava-se razoável e vantajosa: curvara espinhaços, retesara músculos, cavara na piçarra e na argila o açude que se cobria de patos, mergulhões e flores de baronesa. Meu pai era terrivelmente poderoso, e essencialmente podroso. Não me ocorria que o poder estivesse fora dele, de repente o abandonasse, deixando-o fraco e normal, num gibão roto sobre a camisa curta...
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Graciliano Ramos - Infância. 
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Pesquiza e postagem > Nicéas Romeo Zanchett 
http://gotasdeculturauniversal.blogspot.com/

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