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sexta-feira, 8 de abril de 2011

DECLARAÇÃO - Manuel Antonio de Almeida





                                   DECLARAÇÃO  -  Manuel Antonio de Almeida
Devia começar, como o sabe de cor e salteado  a maioria dos leitores, que é sem dúvida nenhuma muito entendida na matéria, por uma declaração em forma. 
Mas em amor, assim como em tudo, a primeira saída é o mais difícil. Tôdas as vezes que esta idéia vinha à cabeça do pobre rapaz, passava-lhe uma nuvem escura por diante dos olhos e  banhava-se o corpo em suor. Muitas semanas levou a compor, a estudar o que havia  de dizer a Luizinha quando aparecesse o momento decisivo. Achava com facilidade milhares de idéias brilhantes: porém, mal tinha assentado em que diria isto ou aquilo, já isto e aquilo não lhe parecia bom. Por várias vezes, tivera ocasião favorável para desempenhar a sua tarefa, pois estivera a sós com Luizinha; porém, nessas ocasiões, nada havia que pudesse vencer o tremor nas próprias pernas que se apoderava dele, e que não lhe permitia levantar-se do lugar onde estava, e um engasgo que lhe sobrevinha, e que o impedia de articular uma só palavra. Enfim, depois de muitas lutas consigo mesmo para vencer o acanhamento, tomou um dia a resolução de acabar com o mêdo, dizer-lhe a primeira coisa que lhe viesse à boca. 
Luizinha estava no vão de uma janela a espiar para a rua pela rótula: Leonardo aproximou-se tremendo, pé ante pé, parou e ficou imóvel como uma estátua atrás dela que, entretida para fora, de nada tinha dado fé. Esteve assim por longo tempo  calculando se devia falar em pé ou se devia ajoelhar-se. Depois fez um movimento como se quizesse tocar no ombro de Luizinha, mas retirou depressa a mão. Pareceu-lhe que por aí não ia bem; quis antes puxar-lhe pelo vestido, e ia já levantando a mão quando também se arrependeu. Durante todos estes movimentos o pobre rapaz suava a não poder mais. Enfim, um incidente veio tirá-lo da dificuldade.
Ouvindo passos no corredor, entendeu que alguém se aproximava, e tomado de terror por se ver apanhado naquela posição, deu repentinamente dois passos para trás, e soltou um - ah!" -muito engasgado. Luizinha, voltando-se deu com ele diante de si, e recuando espremeu-se  de costas contra a rótula: veio-lhe também outro - ah! -porém não lhe passou da garganta e conseguiu apenas fazer uma careta.
A bulha dos passos cessou sem que ninguém chegasse à sala; os dois levaram algum tempo naquela mesma posição, até que Leonardo, por um supremo esforço, rompeu o silêncio, e com voz trêmula e em tom o mais sem graça que se possa imaginar perguntou desenxabidamente: 
- A senhora... sabe... uma coisa?
E riu-se com uma risada forçada, pálida e tola.
Luizinha não respondeu. Ele repetiu no mesmo tom:
- Então... a senhora...sabe ou...não sabe? 
E tornou a rir-se do mesmo modo. Luizinha consevou-se muda. 
- A senhora bem sabe... é porque não quer dizer...
Nada de resposta. 
- Se a senhora não ficasse zangada... eu dizia...
Silêncio. 
- Está bom...eu digo sempre... mas a senhora fica ou não fica zangada? 
Luizinha fez um gesto de quem estava impacientada. 
- Pois então eu digo... a senhora não sabe... eu... eu lhe quero... muito bem...
Luizianha fez-se cor de cereja; e fazendo meia volta à direita, foi dando as costas ao Leonardo e caminhando pelo corredor.  Era tempo, pois alguém se aproximava. 
Leonardo viu-a ir-se, um pouco estupefato pela resposta que ela lhe dera, porém, não de todo descontente: seu olhar de amante percebera que o que se acabava de passar não tinha sido totalmente desagradável a Luizinha. 
Quando ela desapareceu, soltou o rapaz um suspiro de desabafo e assentou-se, pois se achava tão fatigado com se tivesse acabado de lutar braço a braço com um gigante.
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De Manuel Antônio de Alméida -  Memórias de um Sargento de Milícias. 
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Postado por Nicéas Romeo Zanchett
http://gotasdeculturauniversal.blogspot.com/

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