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domingo, 3 de abril de 2011

LAVADEIRAS - Aluisio Azevedo





                                                       LAVADEIRAS 
Noventa e cinco casinhas comportou a imensa estalagem. 
Prontas, João Romão mandou levantar na frente, nas vinte braças que separavam a venda do sobrado do Miranda, um grosso muro de dez palmos de altura, coroado de cacos de vidro e fundos de garrafa, e com um grande portão no centro, onde se dependurou uma lanterna de vidraças vermelhas, por cima de uma tabuleta amarela, em que se lia o seguinte, escrito a tinta encarnada e sem ortografia: 
"Estlagem de São Romão. Alugam-se casinhas e tinas para lavadeiras."
As casinhas eram alugadas por mês e as tinas por dia: tudo pago adiantado. O preço de cada tina, metendo a água, quinhentos réis, sabão à parte. As moradoras do cortiço tinham preferência e não pagavam nada para lavar.  
Graças à abundância de água que lá havia, como em nenhuma outra parte, e graças ao muito espaço de que se dispunha no cortiço para estender a roupa, a concorrência às tinas não se fez esperar; acudiram lavadeiras de todos os pontos da cidade, entre elas algumas vindas de bem longe. E, mal vagava uma das casinhas, ou um quarto, um canto onde coubesse um colchão, surgia uma nuvem de pretendentes a disputá-los. 
E aquilo se foi constituindo numa grande lavanderia, agitada e barulhenta, com as suas cercas de vara, as suas hortaliças verdejantes e os seus jardinzinhos de três e quatro palmos, que apareciam como manchas alegres por entre a negrura  das limosas tinas transbordantes e o revérbero das claras barracas de algodão cru, cobertos de roupa molhada, cintilavam ao sol, que nem lagos de metal branco. 
E naquela terra encharcada  e fumegante, naquela umidade quente e lodosa, começou a minhocar, a esfervilhar, a crescer, um mundo, uma coisa viva, uma geração, que parecia brotar espontânea, ali mesmo, daquele lameiro, e multiplicar-se como larvas no esterco. 
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De "O CORTIÇO" - dfe Aluísio Azevedo. 
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Post.: Nicéas Romeo Zanchett





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